Por Rafael Mesquita
Filho de médico, cursando Administração de Empresas na Universidade Federal de Goiás (UFG), o então universitário Ciro Ribeiro não via muita perspectiva na profissão em Goiânia. Em 2008, a sensação era que não existia na cidade um universo profissional bem-sucedido fora da Medicina, Direito ou Engenharia. Mas o livro Fazer Acontecer, do publicitário Júlio Ribeiro, abriu a sua mente. “Fiquei encantado com a obra, que me apresentou um universo inteiro de criatividade e estratégia”, recorda.
Se as perspectivas em Goiânia não eram animadoras, seria preciso deixar a capital para trazer as experiências adquiridas fora e construir um novo cenário profissional em Goiás. Um estágio de três meses em São Paulo foi fundamental para iniciar essa guinada. O trabalho com planejamento estratégico para marcas mudou para sempre a mente daquele jovem. O primeiro projeto em que atuou foi no reposicionamento da marca Ipiranga, que resultou no slogan: “Apaixonados por carro como todos os brasileiros” e, depois, no surgimento da figura do “Posto Ipiranga”. Logo após, participou de projetos com grandes empresas como Nestlé e Oi.
Mas era preciso retornar a Goiânia e dar continuidade ao curso universitário. Um grande baque. “Parece que eu não me encaixava mais na coisa goiana. Depois de ter contato com tanta situação legal e na velocidade paulistana, voltei para ter aula teórica na UFG. Frustrante. Daí pensei: preciso me movimentar”, lembra. Assim, conseguiu uma bolsa de estudos, pela Universidade, na Bélgica, que durou um ano.
Da experiência europeia, surgiu a ideia que transformaria sua vida: fundar o próprio negócio em Goiás
Ainda cursando Administração de Empresas, em 2012, decidiu montar em Goiânia a própria empresa de planejamento estratégico para marcas, a Enredo Estratégias de Marca (que depois se transformou na Enredo Brand Innovation). “Como temos tantos grandes negócios em Goiás, mas sem marcas fortes, de referência, e ninguém se preocupa com isso?”, se questionava Ciro na época. O CEO da Enredo recorda que, naquele período, a maior parte das grandes marcas goianas não conseguia se sustentar ou era vendida para grupos de fora do Estado ou simplesmente falia. Era preciso mudar essa realidade.
O primeiro grande cliente foi uma empresa goiana ligada ao agronegócio que se juntou a uma companhia do Paraná para montar uma indústria de fertilizantes que atuaria no Maranhão. A partir dali, e com a indicação de clientes a outros clientes, a Enredo iniciou um trabalho de mudança de comportamento do mercado local. “Antes, os profissionais precisavam se mudar daqui para trabalhar nessa área. As próprias empresas goianas contratavam consultorias de fora, porque não havia algo especializado no Estado”, explica.
Mesmo assim, até 2017, a maior parte dos clientes era de outros estados. De acordo com Ciro, devido à crise econômica daquele período, o mercado goiano estava sendo muito assediado por empresas de outros estados e países que desejavam adquirir as companhias locais. “Naquele instante, os empresários goianos entenderam que teriam que fazer diferente e consolidar a própria marca”, afirma.
Com isso, a Enredo passou a realizar trabalhos de destaque em Goiás, que vão muito além do planejamento estratégico, atuando na consultoria de inovação e transformação de marcas. Exemplo é a ação realizada com a City Construtora, que trouxe a proposta de ter o metro quadrado mais valioso de Goiânia. Com a Soluti, que disputava a liderança do mercado de certificação digital, foi apresentada a perspectiva de entrada em outros negócios. Assim como a implementação da mudança cultural da Adão Imóveis e da Casa do Pica-Pau. “Olhamos para a empresa, entendemos a capacidade dela de ser o que gostaria de ser, equalizamos isso e nos pautamos na construção desse resultado”, explica.
Mesmo com o crescimento dos clientes goianos, 70% do faturamento vem de fora do Estado. “Isso porque o nível dos projetos de outras localidades ainda é vendido a valores maiores”, afirma Ciro. São empresas de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, do Nordeste e até de outros países. Trabalhos com Ambev (na expansão do aplicativo de entrega de bebidas Zé Delivery), Porto, Iconic (dona da Texaco e Ipiranga), Lar (cooperativa agroindustrial) e Magalu consolidam a Enredo como referência nacional na área.
Diante desse cenário, quando as pessoas perguntam, provocando: por que a Enredo não deixa Goiás? A resposta está na ponta da língua: “Eu sei que a maior parte das coisas acontece em São Paulo, mas não quero me mudar daqui. Vou para lá com uma frequência muito grande, já está bom”, brinca.
Criar o negócio em Goiânia fez com que ele não se desse ao luxo de entregar qualquer trabalho. “Precisávamos ser melhores do que empresas de fora que tinham mais estrutura. Tentamos ser locais, independente de onde estamos”, avalia.
Passado e futuro
O tempo fez com que Ciro Ribeiro tivesse uma visão do mundo empresarial diferente daquela em que a Enredo era apenas um embrião. “No início, a pessoa quer se encaixar e ser aceita em determinados grupos, por isso, muitas vezes, você age de uma maneira que não é. Hoje, entendo que o cenário empresarial é feito de conversas francas, duras e verdadeiras. Desconforto faz parte, e é o que nos diferencia”, acredita.
O confronto entre passado e futuro faz Ciro analisar o quanto as coisas mudaram de quando iniciou a empresa para o momento atual. “Diferente de hoje, que Goiânia é a bola da vez, na época a cidade era uma ilha, estava isolada e, por isso, não havia uma concorrência tão grande entre as marcas. Isso mudou, o consumidor se tornou mais exigente e está a um clique de qualquer coisa”, explica.
Segundo ele, os empresários começaram a perceber que, se não fizessem algo diferente, não conseguiriam sobreviver. “O consumidor tem muito mais referência, não dá pra fazer qualquer coisa, de qualquer jeito, e se dar bem”, avalia.
Mas, quando o assunto é o futuro do mundo corporativo, Ciro prefere não fazer adivinhações. “Um dos nossos trabalhos é não prever o futuro, mas preparar as empresas para este momento”, afirma. Ele cita que, nos últimos meses, por exemplo, com o anúncio do tarifaço americano, houve uma grande mudança de perspectiva para o mercado brasileiro no exterior. “Em uma canetada, tudo pode mudar”, diz.
Ainda lembra da transformação trazida pelo uso da inteligência artificial. “A IA estava muito distante da visão de todos e hoje está presente no cotidiano da população”, acredita. O CEO também avalia que essa tecnologia se tornou uma realidade e virou questão de sobrevivência. “Ou as empresas a adotam ou perdem competitividade. Independente da área, toda companhia precisa atuar com tecnologia e relacionamento com o cliente”, avalia.
A dificuldade de lidar com o futuro e as inovações que ele traz assusta a todos e muda rapidamente os hábitos. “Desaprendemos a viver como vivíamos no passado. Hoje, estamos dentro de um carro e conseguimos fazer pesquisa por voz. Quem imaginaria que uma IA poderia substituir o papel de um profissional dentro de uma empresa? Acompanhar a velocidade das coisas está impossível. Todo dia surge algo novo”, afirma.
Mesmo sem previsões futurísticas, o CEO da Enredo consegue fazer leituras de possíveis cenários. “Pensar em tecnologia dá margem para colaboração. Uma empresa não precisa ser a melhor em tudo, pode contratar e trazer alguém que seja bom para determinada área que ela não domine”, acredita. De acordo com Ciro, se antes o diferencial era o nível de conhecimento, hoje a inteligência está ligada à capacidade de questionar, perceber determinados movimentos e cruzar as informações certas.
Professor de MBA em Marketing pela UFG há cinco anos, ele acompanhou bem essas transformações e a diminuição do interesse dos jovens pela academia tradicional. “Como as informações estão muito acessíveis, o nível de participação dos alunos está mais relacionado a provocar em cima daquilo que se acredita estar certo do que propriamente em tirar dúvidas”, avalia. Por isso, o entendimento de que o meio acadêmico precisa se adaptar urgentemente aos movimentos que o mundo está cobrando.
Trabalhar com jovens o faz conseguir entendê-los melhor. Compreender que existe, em muitos casos, uma ausência de visão e perspectiva de futuro, devido às rápidas mudanças nas carreiras. “Veja só, a graduação de Inteligência Artificial é a mais concorrida atualmente da UFG”, destaca. Ciro acredita que os jovens estão com uma visão mais pessimista do mercado de trabalho. “Com um volume tão grande de possibilidades, eles se perdem, desistem fácil demais. Mas é possível compreender que esse é apenas um outro modo de pensar, diferente de outras gerações”, acredita.
Apenas o começo
Se a ambição de construir carreira não é atualmente a prioridade para a maioria, a formação profissional do CEO da Enredo se deu, ao longo dos anos, em sentido contrário. Tanto que o reconhecimento veio cedo. Em 2023, foi o destaque do ano no Prêmio Brasileiro de Design. No mesmo ano, desenvolveu um projeto eleito pelo voto popular como o melhor de branding (gestão de marca) do País. Em 2025, participou como palestrante do Fórum Econômico Mundial de São Petersburgo, na Rússia.
Também foi convidado a integrar o júri de alguns dos maiores prêmios de criatividade e inovação do mundo, dentre eles: o El Ojo de Iberoamérica (Argentina), WINA Awards (EUA), Lisbon Ad Festival (Portugal), Re Oid Apple (Rússia), Brasil Design Awards (Brasil) e FePI (Argentina). A partir de alguns desses convites, decidiu iniciar projetos de expansão internacional com atividades da Enredo em países como os Estados Unidos e a Suécia.
No Brasil, além de Goiânia, a empresa tem colaboradores em Cuiabá, Belo Horizonte e São Paulo. São administradores de empresas, economistas, arquitetos, designers, psicólogos, publicitários, engenheiros e advogados. No total, quase 40 profissionais.
Mas tamanho sucesso, aos 38 anos de idade, é menos motivo de orgulho do que de motivação para poder conquistar mais. “O mais legal para mim é olhar da janela do meu escritório e ver quantas marcas ajudamos a crescer. Mas vejo como um termômetro de algo que ainda está acontecendo. Meu pensamento é: aonde ainda podemos chegar?”, conclui.
