Por Marília Tóffolis
O Jogo do Bicho foi criado no Brasil ao final do século XIX como uma estratégia para salvar um zoológico em crise. O Barão Drummond colocava em cada ticket um animal e, ao final do dia, o bicho sorteado garantia aos ganhadores cerca de 20 vezes o valor pago. Esse passatempo se tornou parte do folclore nacional, resistindo à proibição e se adaptando às mudanças do tempo.
Em 1934, Getúlio Vargas legalizou os jogos de azar, permitindo a ascensão dos cassinos e de ícones como Carmen Miranda. Mas em 1946, Eurico Gaspar Dutra tornou a prática ilegal novamente, sob o argumento de que feria os bons costumes. O Decreto-Lei nº 3.688/1941 ainda hoje criminaliza os jogos de azar.
Hoje, quase um século depois, o governo brasileiro finalmente entendeu que, se não pode vencer o jogo, melhor é participar da banca. Se o jogo do bicho nunca sumiu apesar da proibição, a lição parece ser a mesma para as apostas on-line. Regulamentar e tributar os jogos de azar não apenas cria uma nova fonte de arrecadação para o governo, mas também oferece um argumento para que o mercado deixe a clandestinidade.
Em 2018, a Lei 13.756 regulamentou as apostas de quota-fixa, sendo alterada em 2023 pela Lei nº 14.790, criando o “Marco Regulatório das Bets”. Nessa lei foi criada uma contribuição especial incidente sobre 12% da receita bruta, enquanto ainda incidem adicionalmente IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
No entanto, outras modalidades de aposta, a exemplo do “Jogo do Tigrinho” ainda se encontram numa zona cinzenta, já que se tratam de plataformas digitais sediadas em paraísos regulatórios e fiscais que funcionam através de conexão digital e acabam escapando da receita federal.
É aqui que entra a LC 214/2025, uma tentativa de enquadrar não apenas as bets esportivas, mas toda e qual quer modalidade de apostas dentro do novo regime tributário. Com a introdução de um imposto seletivo sobre apostas on-line e uma incidência do IBS e da CBS sobre concursos de prognósticos, o objetivo é garantir que ninguém escape da tributação.
Mas na prática, o cenário ainda tem peças soltas. O Fortune Tiger e outros jogos do tipo continuam operando no Brasil por meio de plataformas sediadas no exterior, sem qualquer regulamentação oficial. Como não possuem residência fiscal no país e não seguem as regras da Lei nº 14.790/2023, não podem ser tributados diretamente.
Isso cria uma espécie de “terra de ninguém” digital, onde cassinos virtuais movimentam milhões sem prestar contas ao Fisco. Para os operadores dessas plataformas, a vantagem é clara: enquanto os sites regulamentados são obrigados a cumprir normas e pagar tributos, os clandestinos continuam explorando um público sedento por apostas, sem precisar se preocupar com burocracia ou fiscalização.
Diante disso, não seria mais inteligente ampliar a regulamentação para incluir também esses jogos atualmente clandestinos? E ao final das contas, a pergunta que fica é: quem sairá ganhando nessa disputa, o leão ou o tigrinho?

Marília Tóffolis
sócia em Rodovalho Advogados