Por Rafael Vaz
“Um bom publicitário tem que estar sempre bem informado. É o que eu faço para que as minhas ideias se conectem: meus livros, meus programas, minha escrita, minha curiosidade e tudo aquilo que me move desde que descobri minha paixão pela comunicação”
Por trás das campanhas marcantes, dos programas de televisão que exaltaram a cultura regional e de algumas das descobertas mais simbólicas do folclore goiano, há um nome que se confunde com a própria história da comunicação em Goiás: Hamilton Carneiro. Dono de uma trajetória que mescla sensibilidade, ousadia e uma capacidade rara de escutar as pessoas, Hamilton construiu um legado que vai muito além da publicidade. Ele deu voz à identidade popular goiana — e fez disso seu ofício.
Nascido em Urutaí, município do sudeste goiano, Hamilton é daqueles filhos do interior que nunca cortaram os laços com a terra natal. Mesmo depois de morar no Rio de Janeiro, de estagiar na Rede Globo e de viver em Brasília, foi em Goiás que escolheu construir sua história. E fez isso com paixão, obstinação e um profundo respeito pela cultura local. “Amo Goiás. Morei fora, mas não quis ficar distante da minha família e do meu estado”, resume.
Primeiros passos e o retorno em tempos de ruptura
A relação com a comunicação começou cedo. Ainda jovem, passou por Ipameri e depois por Goiânia, onde se aproximou dos meios de comunicação e iniciou sua formação em Letras Vernáculas pela Universidade Federal de Goiás. Mas foi quando retornou de vez para a capital goiana, em 29 de novembro de 1964, que sua história começou a tomar o formato que hoje reconhecemos.
A data não é qualquer uma: três dias antes, o governador Mauro Borges havia sido deposto pelo regime militar, num dos momentos mais críticos da política goiana e nacional. “Voltei nesse cenário conturbado, mas cheio de sonhos e entusiasmo pela comunicação”, lembra.
Naquele momento, Hamilton já havia trabalhado com rádio em Ipameri. Seu retorno marcava o início de um período intenso, em que seu olhar afiado e sua escuta sensível seriam colocados a serviço da construção de narrativas sobre o povo goiano.
A comunicação como ferramenta de identidade
Hamilton nunca viu a publicidade apenas como meio de vender produtos. Para ele, comunicar é representar. Por isso, quando fundou a Stylus Propaganda, levou para a agência não só técnica e criatividade, mas também uma proposta muito clara: falar com o goiano na linguagem do goiano. Foi com essa filosofia que descobriu talentos como o icônico Geraldinho Nogueira, contador de causos que se tornaria o rosto de campanhas de sucesso.
“Conheci Geraldinho em uma fazenda, em Bela Vista. Cumprimentei com um ‘bom dia’ e só pela forma como ele respondeu percebi que era alguém diferente”, recorda. “Gravamos várias propagandas juntos. Para a antiga Caixego, por exemplo, alguns diretores torceram o nariz no início, mas depois se renderam ao sucesso”.
A autenticidade, para Hamilton, é mais eficaz do que qualquer tendência publicitária. E talvez por isso ele tenha conseguido transformar a comunicação goiana sem rompê-la com suas raízes.
Frutos da Terra: a cultura popular como missão
Se há um símbolo da contribuição de Hamilton Carneiro para a cultura goiana, é o programa Frutos da Terra, que estreou em 7 de julho de 1983. A atração valorizava a música, os costumes, a linguagem e os personagens do interior do estado — e, com isso, se consolidou como um marco na televisão regional.
“Minha carreira é marcada por grandes descobertas culturais. Sempre fui apaixonado por esse jeito nosso de contar histórias, pelas expressões, pela maneira como o goiano se comunica”.
O pioneirismo do programa ajudou a consolidar a ideia de que o popular não é sinônimo de simples. É, ao contrário, rico em significado, em emoção e em potência comunicacional. Frutos da Terra foi, por décadas, um verdadeiro espelho onde o goiano pôde se ver e se reconhecer.
Da TV ao papel: a palavra como vocação
Hamilton Carneiro também se expressa por meio da escrita. Atualmente, está finalizando mais um livro — desta vez, voltado à temática ambiental, outra de suas grandes paixões. “Sempre militei sobre questões ambientais… isso sempre me entusiasmou”, afirma. O novo trabalho deve abordar questões climáticas e geológicas, temas que ele acompanha de perto, com o mesmo interesse com que lê os jornais todas as manhãs.
Sua rotina é um retrato de disciplina intelectual. “Acordo às quatro da manhã, leio os principais jornais, visito blogs e sites. Também leio muitos livros. Acho que o publicitário precisa estar sempre bem informado”, diz. E completa: “Tudo isso também me ajuda como escritor. Tudo se conecta”, diz.

A memória como resistência
Apesar da modernização da comunicação e das transformações tecnológicas, Hamilton continua acreditando na força da história — e na necessidade de preservá-la. “História é história… não pode ser desfeita. A memória sempre existirá”, afirma. Ao mesmo tempo, manifesta certa preocupação com o desinteresse dos mais jovens pelos eventos do passado. “Hoje as coisas estão mais rápidas. Não sei até que ponto os mais jovens estão interessados, mas ela sempre vai existir”, acredita.
Entre suas memórias mais marcantes, destaca a cobertura da chegada do homem à Lua. “Naquele tempo, tudo era muito manual. As fitas com o material vinham de fora. Me lembro que conseguimos transmitir o homem na Lua pela TV Anhanguera com dois minutos de antecedência em relação à TV Goiânia. Isso foi um marco”.
Família, legado e futuro
Casado com Shirly desde 1986, pai de três filhos, Hamilton tem na família seu alicerce. Ainda que sua rotina de leitura e trabalho continue intensa, ele se permite o prazer da convivência com os filhos, com a esposa e com os amigos. Seu legado, no entanto, continua se expandindo — seja na agência que fundou, nos programas que criou ou nos livros que está prestes a lançar.
Ao ser questionado sobre o que diria a um jovem que deseja seguir carreira na comunicação, ele responde com a convicção de quem viveu o que prega: “Estudem. Leiam. Tem que se ler de tudo. A publicidade tem uma abrangência muito grande. Conhecimento é a palavra-chave”.
Um nome que pertence à história da comunicação em Goiás
Hamilton Carneiro não é apenas um nome de destaque na publicidade goiana. Ele é parte da própria história do estado. Um observador atento, um criador sensível, um guardião da memória e um entusiasta do futuro. Aos 76 anos, continua sendo um semeador de ideias, de narrativas, de talentos.