Por Marcelo José de Aquino
Como consumidores, estamos preocupados com os preços de muitos produtos e serviços que têm aumentado substancialmente, e parece que os índices divulgados estão longe de refletir a realidade desses aumentos. Aliás, essa é mais uma evidência da falta de transparência dos governos quanto à metodologia e à forma como os índices de inflação são apurados. Entre outros fatores, o aumento significativo da inflação corrói o poder de compra, é extremamente perigoso para a economia e a sociedade e provoca distorções também na leitura dos demonstrativos contábeis, especialmente agora, quando os balanços de 2024 estão sendo divulgados.
Desde a criação da correção monetária de balanço, por meio do Decreto 1.578/77, até sua extinção em 1995, as empresas eram obrigadas a corrigir, por um índice de inflação, determinadas contas do balanço, como o ativo permanente (termo utilizado antes do processo de convergência instituído pela Lei 11.638/07) e o Patrimônio Líquido, além de outras contas contábeis. Inclusive, para as empresas de capital aberto, existia ainda o conceito de correção monetária integral. Somente os mais experientes lembrarão desse mecanismo, que, em parte, reduzia a distorção causada pela inflação nos demonstrativos contábeis.
Apenas como exemplo ilustrativo, de 1º de janeiro de 1996 até 31 de dezembro de 2024, tivemos uma inflação acumulada medida pelo IPCA de 463,13% (IGP-M de 850,62%). Somente em 2024, a inflação medida por esses indicadores foi de 4,83% (IGP-M de 6,46%).
Ora, imagine uma empresa que apresenta e comemora, em 2024, um crescimento de 10% sem considerar o efeito da inflação — ela pode estar equivocada. Além disso, se possuir ativos adquiridos anteriormente (depreciados ou não) ou for altamente capitalizada, os índices de retorno sobre o ativo ou o Patrimônio Líquido podem estar distorcidos, produzindo uma falsa impressão de performance.
Tem sido cada vez mais difícil, nas reuniões de resultados e de conselho, distinguir o que é efeito da inflação, aumento de preço ou crescimento real em volume/novos serviços.
Ao analisar as demonstrações contábeis, além de verificar se as práticas contábeis estão adequadas, o que consta no relatório de auditoria, o segmento da empresa e o ambiente de negócios entre outros fatores, não se esqueça de considerar a variável inflação nos indicadores.
Não se pretende aqui estabelecer um índice padrão, até porque não é possível assegurar que eles estão cor retos para refletir fielmente a realidade da inflação, seja para o consumidor ou para a empresa. Isso ocorre por que diferentes setores da economia possuem dinâmicas próprias de custos e preços, gerando uma inflação específica para cada segmento.
Diante dessa realidade, é essencial que as empresas analisem a inflação setorial e desenvolvam estratégias financeiras e comerciais baseadas em seus próprios indicadores.
Que o “tal dragão” da inflação volte a dormir em breve nos deixe em paz!

MARCELO JOSÉ DE AQUINO – Sócio da Ganplo Treinamento e Governança, Membro de Conselho de Administração e Consultivo de empresas.