Vigilância contra o racismo não pode ser um story, que acaba no dia seguinte. Tem de ser um post fixo na cabeça de todos – sim, de preferência, fixo, para não se perder na sua timeline da vida.
A política antirracista é, antes de ser uma valiosa ação coletiva, um exercício diário, individual e educativo. Educativo, porque somos filhos de uma sociedade racista. Nascemos e crescemos presenciando atitudes racistas e rindo, como se fosse piada de programa de TV de domingo, aquelas que todos repetiam na escola de segunda a sexta. Esse mundo acabou. Passou. Felizmente, evoluímos. Mas é preciso se policiar.
Mas se policiar (diuturnamente) contra a raiz de equívocos do passado, injetados em nossa mente como engraçado e permitido, é o melhor que podemos fazer para ajudar. Não pode haver concessão. E se errar, reconheça e corrija. E projeta seus filhos, netos, afilhados e sobrinhos de gente racista. Corrija, aliás, quando ver atitudes assim. Vai injetar neles o antidoto ao racismo que nos foi contaminou por décadas.
Nesta semana, foi celebrado o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, em 3 de julho. A data remete à sanção da Lei Afonso Arinos (Lei nº 1.390/1951), a primeira de natureza antirracista no Brasil. A legislação foi criada após um episódio de segregação envolvendo a antropóloga e multiartista norte-americana Katherine Dunham (1909–2006), impedida de se hospedar em um hotel de São Paulo, em 1950. De lá para cá, outras leis reforçaram o combate à discriminação racial, como a Lei Caó (Lei nº 7.437/1985) e o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010).
Não precisaríamos de muitas leis para combater um crime, o racismo. Mas é bom que elas existam, pois a construção da igualdade racial vem sendo feita de forma lenta e progressiva há décadas, enfrentando resistências veladas e ações internas de preconceito. São decisões tomadas, muitas vezes em silêncio- individuais, até – que revelam que ainda somos uma sociedade que privilegia uma raça por opções pessoais, antes de qualquer outro critério.
Exercite-se e avalie suas decisões e escolhas, algo interno e sem precisar se acusar ou punir, de hoje em diante. Avalie suas escolhas: uma seleção de pessoas, mesa para sentar, medo de alguém que se aproxima nas ruas, frases que diz para você mesmo sobre pessoas (…).
Se quer polêmica, vamos colocar uma aqui: a Lei de Cotas. Muitos são contra as cotas raciais porque o filho, o sobrinho ou o neto perdeu a vaga. O bicho pega aqui. Mas não tenha raiva, não deboche e, principalmente, não emita frases grosseiras e racistas (e, portanto, criminosas) só porque você é contra. Vejo pessoas que, para justificar sua opinião contrária, acabam sendo racistas. Você pode ser a favor — e explicar seu raciocínio. Pode ser contra — e apresentar suas razões. Mas não exponha sua “verdade” sendo desonesto com os outros, julgando, diminuindo e reforçando o racismo. Entre tantos motivos, é por isso que precisamos da lei: porque ainda somos, estruturalmente, uma sociedade de raízes racistas. E é isso.
Leandro Resende – editor-chefe da Revista Leitura Estratégica
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