Por Rafael Mesquita
Quando John Lennon morreu assassinado em dezembro de 1980, a mãe do pequeno Leonardo, de apenas 8 anos de idade, sensibilizada pela perda do ídolo, deu a ele e ao irmão um disco dos Beatles, ainda nos tempos do vinil. Fascinado pela capa estrelada pelos quatro astros britânicos, o garoto escolheu o álbum Help, um dos mais emblemáticos da carreira da banda.
Logo após, vieram na TV os clipes do Fantástico, o Rock in Rio e o Live Aid (concerto realizado em Londres para arrecadar fundos contra a fome na Etiópia). Começou ainda a acompanhar de perto o boom do rock brasileiro dos anos 1980 e os shows de bandas nacionais no Ginásio Rio Vermelho, como Paralamas do Sucesso e RPM.
Com a adolescência e as apresentações memoráveis que assistiu in loco em São Paulo e no Rio de Janeiro — de bandas como Echo & the Bunnymen, New Order e Nirvana (no Hollywood Rock) — estava decidido: queria, de alguma forma, viver de música. “Tocava guitarra, mas nunca tive banda como outros jovens da minha época. Faltou talento musical”, lembra Leo Razuk. Se não teve o dom de virar roqueiro, havia caminhos para conquistar o sonho. A forma mais fácil que encontrou foi se tornar jornalista: queria ser crítico musical. Nessa época, já colecionava revistas de rock e assistia à MTV, recém-chegada ao Brasil. “O rock é a minha vida, me formou como pessoa desde a infância e depois como profissional”, afirma Razuk.
Ingressar na Universidade Federal de Goiás (UFG), em 1991, era apenas o início de uma longa caminhada para se tornar um dos maiores produtores culturais da cena independente do país. Começou a escrever sobre música no jornal O Popular em 1996, foi contratado em 1997 e nunca mais deixou de participar da cena.
Foi em uma dessas reportagens para o jornal que conheceu duas pessoas que contribuiriam para que ele entrasse de vez no show business. Em 1998, Leo Bigode e Márcio Júnior estavam lançando a gravadora Monstro Discos. Mas foi só após uma parceria entre Razuk, o amigo Fabrício Nobre e os fundadores do selo — em que trouxeram a banda grunge americana Mudhoney para um show em uma boate em Goiânia — que surgiu a proposta de sociedade dos quatro na Monstro Discos. “A apresentação, em 2001, foi um sucesso. Mudou a história da cena independente na capital. Ganhou até matéria da Folha de S.Paulo, considerando Goiânia a versão brasileira de Seattle (cidade americana berço do movimento grunge, que lançou bandas como Nirvana e Pearl Jam)”, destaca Razuk.
A empresa cresceu, foi registrada e, além da gravadora, também se transformou em uma produtora de eventos, organizando na época dois dos principais festivais do rock alternativo do país: Bananada e Goiânia Noise. “Lançamos vinil, CD, DVD, fita cassete, trouxemos grandes artistas da cena local, nacional e até internacional”, se orgulha o jornalista.
Mas aí veio a era digital e o negócio, que antes era mais rentável, ficou menos lucrativo. “Tivemos que nos reinventar. Mantivemos a gravadora, mas diminuímos os lançamentos físicos apenas para aqueles artistas com grande potencial de venda”, recorda.

Pandemia e a segunda reinvenção
Em 2020 veio a pandemia: nada de shows e uma grande crise se instala na cena cultural do planeta. “Tínhamos apresentação marcada que teve que ser cancelada. Então decidimos fechar tudo, pegar os estoques de discos que tínhamos e levar para casa”, diz Razuk. Mas, se por um lado havia a incerteza se seria possível continuar o sonho de viver de música, por outro o produtor não contava com o fenômeno que ocorreu no período. “A cultura foi um escape na pandemia e veio uma nostalgia muito grande. O nosso site voltou a vender discos em estoque dos nossos artistas. Vimos que a saída era essa. Daí decidimos partir para o sebo, vender coisa antiga”, lembra.
Loja, amizades e esperança de dias melhores para o rock
O legado do período é a loja localizada no Centro de Goiânia. Entrar no local é voltar no tempo com os vinis, vitrolas, pôsteres, camisetas e CDs de grandes artistas do cenário — independente ou não — da música brasileira e mundial.
Mas qual disco, entre os mais de 10 mil vinis disponíveis na loja, mais representa a história da Monstro? Leo Razuk não tem dúvidas: Sétima Efervescência, do Júpiter Maçã (roqueiro gaúcho falecido em 2015 que teve discos gravados pela Monstro). “Tivemos uma longa história na convivência com ele, é um disco que marcou o rock no Brasil também”. Ele se recorda da amizade que fez com o artista em shows produzidos pela empresa, como no Goiânia Noise, em 2007, e no Bolshoi Pub, em 2008.
Além dele, a convivência com o meio cultural fez nascer outras boas amizades do goiano com grandes artistas da música brasileira, como Dado Villa-Lobos (ex-Legião Urbana), os integrantes da banda Los Hermanos, o cantor Lobão, John Ulhoa e Fernanda Takai (Pato Fu) e Philippe Seabra (Plebe Rude).
Sobre o rock perder espaço para outros estilos musicais entre os jovens, Razuk é realista e admite que os tempos são outros. “A minha geração é pós-ditadura, gritava por liberdade”, avalia. Para ele, em determinado momento o estilo musical se desconectou da juventude: “O rock perdeu a linguagem de transgressão, rebeldia, ousadia musical. Pouca gente apresenta algo novo, tudo é dentro do padrão”.
Mesmo assim, nada de olhar somente para o passado. É preciso ser resistência. “Fácil não é. Às vezes desanimamos, não sabemos se as contas vão fechar, mas vamos até onde aguentarmos, enquanto tivermos prazer em fazer isso e nos sentirmos relevantes”, acredita. Razuk reconhece a importância que a Monstro tem para a cena cultural goiana: “A nossa história está escrita. Temos consciência de que mexemos com a cidade, através dos festivais, dos artistas. Temos certeza de que participamos, de alguma forma, da pluralidade que existe hoje em Goiânia”.

Indústria do rock
Além da relevância cultural, ainda existe um importante mercado que a cena alternativa movimenta. Gera empregos, renda, faz girar toda uma cadeia produtiva que envolve lojas de instrumentos, estúdios de ensaio e gravação, fornecedores de equipamentos de som e luz, bares e hotéis.
Razuk destaca que o Ministério do Turismo, em seus anuários, reconhece o Goiânia Noise como um dos principais atrativos turísticos da cidade. “Então, por mais que seja cultura, algo feito com muita paixão, diversão, é um negócio que movimenta e gera dinheiro e renda em Goiânia — e isso nos orgulha muito”, avalia.