Mesmo vivendo nessa instável e turva ‘modernidade líquida’, conceito do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, ainda é possível se surpreender com personagens reais contemporâneos que constroem histórias com roteiros que vão do bizarro ao doentio. Caracterizadas pela fluidez, instabilidade e falta de solidez nas relações sociais, econômicas e pessoais, Bauman concluiu, na década de 1990, que as novas gerações estão fadadas a um ciclo da história que as “coisas” vão evoluir e os “humanos” estão pisando no acelerador da retração comportamental.
As histórias de hoje constrangem os melhores ficcionistas da boa literatura mundial. Veja essa, pinçada entre centenas de absurdas que surgem diariamente: uma jovem brasileira que, de forma insuspeita, passou a se apresentar como a primeira astronauta do País.
Pôs capacete da Nasa, fez foto, deu entrevista aos quatro ventos, sempre emocionada. Falou para toda a imprensa nacional, apareceu na Forbes Brasil e em veículos estrangeiros.
Era a história perfeita, se não fosse uma mentira deslavada.
Como disseram muitos, só faltou ser verdade. A Nasa foi a primeira a negar qualquer vínculo. Depois, como num efeito dominó, universidades também vieram a público afirmar que, assim como a agência espacial, ela nunca esteve lá. Não fez estágio, não estudou, não treinou e jamais integrou qualquer voo tripulado.
Demorou um pouco. A essa altura, a narrativa já havia feito um longo voo, este sim, tripulado pela imaginação de milhões de brasileiros. A mentira foi retroalimentada e viralizou.
A astronauta de Instagram é o retrato de um novo tempo, no qual cards e seus filtros caprichosos recontam histórias pobres, vazias, lunáticas.
Esse é o perigoso mundo líquido das pessoas reais, que deslizam o dedo ininterruptamente na tela do celular, dia após dia, em busca de vidas interessantes, de conflitos e novelas reais, de emoção instantânea.
Nesta modernidade fluida, o pouco conhecimento logo vira certeza. Basta pouco para se vender como completo.
É preciso atenção redobrada. A verdade e a realidade precisam passar por peneiras e filtros, antes que novas astronautas do Instagram invadam sua tela, te contem uma história e te façam gastar tempo e dinheiro com vidas falsificadas. Desconfie sempre.
Leandro Resende – editor-chefe da Revista Leitura Estratégica
Linkedin: leresende