Para colaborar com o debate atual entre o Poder Executivo, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e o povo brasileiro, que originou-se com o aumento da alíquota do IOF, com a isenção do Imposto de Renda retido na fonte para salários até R$ 5 mil e com a taxação progressiva dos mais ricos, é imperativo se discutir sobre a desigualdade no Brasil.
A desigualdade brasileira não é uma fatalidade histórica nem um fenômeno inevitável. Tampouco resulta apenas de forças econômicas impessoais. Ela é, antes de tudo, uma escolha — reafirmada sistematicamente por decisões políticas e por narrativas que naturalizam o privilégio. Milanovic (2025), no seu livro Visões da Desigualdade – Da Revolução Francesa ao fim da Guerra Fria confirma que “a desigualdade não é só fruto de forças econômicas naturais, mas de decisões políticas”.
Desde o século XIX, com o avanço da industrialização, consolidou-se a ideia de que a desigualdade é inerente ao progresso. Essa visão liberal clássica ainda sobrevive no discurso público, especialmente quando disfarçada sob o manto do “empreendedorismo como saída para a pobreza”. No entanto, esse raciocínio ignora o abismo social que separa os pontos de partida. Como falar em mérito em um país onde milhões não têm acesso à educação de qualidade, saúde básica ou moradia digna?
No Brasil, a abolição tardia da escravidão, a estrutura fundiária concentrada e o legado autoritário influenciaram negativamente a construção de instituições inclusivas. A Constituição de 1988 representou um marco promissor ao garantir direitos sociais universais. Mas papel não muda realidade. A efetividade desses direitos depende de implementação consistente e vontade política. O Bolsa Família, por exemplo, mostrou que é possível reduzir a pobreza e a desigualdade sem comprometer o crescimento econômico. Ainda assim, tais iniciativas vivem sob constante ameaça, alvo de oscilações ideológicas e disputas partidárias.
Outro aspecto preocupante é a naturalização da desigualdade como traço cultural. Muitos brasileiros repetem que “sempre foi assim”, como se fosse uma paisagem imutável. Essa resignação bloqueia transformações e legitima injustiças. É preciso desmontar essa ideia e entender que mudar é possível — e necessário.
A desigualdade no Brasil também é reforçada pelo sistema tributário regressivo, que pesa mais sobre os pobres, e pela distribuição concentrada de renda. Além disso, a narrativa da meritocracia sustenta o status quo: justifica a concentração de riqueza como fruto do esforço individual, mesmo quando as condições de origem são claramente desiguais.
Romper com esse ciclo exige ações estruturais: uma reforma tributária progressiva que corrija distorções; investimentos robustos em educação pública com equidade; acesso universal à saúde e à seguridade social; além da valorização da cultura periférica e da inclusão nos espaços de poder. Mas essas ações precisam vir acompanhadas da mudança no discurso: é preciso revisar como o país fala sobre pobreza, privilégio e justiça.
A desigualdade não é neutra. É construída, sustentada e protegida. E como toda construção, pode ser desfeita — desde que haja coragem política, compromisso social e, acima de tudo, vontade coletiva de fazer do Brasil um país para todos.

Marcos Freitas,
doutorando em Turismo, mestre em Finanças, economista e sócio-fundador da AM Investimentos.