Por Rafael Vaz
Na Universidade Federal de Goiás (UFG), estudantes de graduação em Inteligência Artificial que atuam no Centro de Estudos de Inteligência Artificial (CEIA) já começam a trabalhar em projetos de pesquisa ainda nos primeiros semestres da faculdade, com bolsas que variam entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil. À medida que avançam na formação e ganham experiência, os valores aumentam: estudantes em nível intermediário recebem entre R$ 3 mil e R$ 4 mil, enquanto os mais avançados recebem entre R$ 6 mil e R$ 7 mil – e, em alguns casos, chegam a R$ 10 mil ou R$ 12 mil. Além disso, há estudantes que atuam de forma simultânea em mais de um projeto.
Fora do ambiente acadêmico, o mercado também está de olho nesses profissionais. Empresas de médio porte têm contratado recém-formados, via CNPJ ou CLT, com salários iniciais que giram em torno de R$ 4 mil. Com o acúmulo de experiência, essa remuneração pode dobrar ou até triplicar: profissionais plenos recebem em média R$ 8 mil, enquanto os seniores chegam a ganhar entre R$ 12 mil e R$ 20 mil.
Esse cenário tem atraído cada vez mais jovens para o mercado de Inteligência Artificial e a UFG se tornou um dos principais polos dessa formação. Desde 2019, a instituição abriga o primeiro bacharelado do Brasil totalmente voltado à área, e vem se consolidando como referência nacional.
Os alunos, muitos deles ainda sem colar grau, já comandam startups, atendem empresas de diversos setores e acumulam experiências que, até poucos anos atrás, seriam impensáveis para quem está iniciando a graduação. O mercado, que antes esperava pelo diploma, hoje se abre para quem domina as ferramentas da IA, muitas vezes antes mesmo do fim do primeiro ano do curso.
A universidade como elo de transformação

“Ainda no primeiro ano do curso, já surgiram demandas por essa mão de obra. Hoje temos alunos atuando em projetos demandados por instituições de ensino, mercado imobiliário, setor de saúde, emissoras de TV, frigoríficos, empresas de logística, agro e indústrias em geral”, explica o professor Vinícius Sebba, vice-coordenador do bacharelado. Segundo ele, o curso nasceu já com o mercado batendo à porta. “Antes do curso, existia uma demanda muito grande por profissionais de IA. Mas não os produzíamos nos cursos de graduação, apenas em mestrado ou por formações paralelas. Quando a graduação começou, a demanda explodiu”, explica.
A resposta da universidade à valorização crescente da área foi direta: criar uma estrutura de retenção de talentos dentro da própria instituição. “Há bolsistas que chegam a ganhar valores maiores que alguns professores, dependendo da titulação. Isso foi necessário para não perder essa mão de obra que está sendo cada vez mais valorizada no mercado”.
A estrutura curricular do curso, pensada em 2018 e 2019, tem acompanhado bem as transformações do setor. “Temos um corpo docente qualificado e realizamos concursos para complementar o quadro. As mudanças tecnológicas são rápidas, mas nosso planejamento antecipou várias dessas evoluções”, afirma.
Para Vinícius Sebba, o fenômeno da IA na universidade é irreversível. “A tecnologia tem sido um fator que tem alavancado a pesquisa nas mais diversas áreas. Hoje, a pesquisa em geral se apoia nos algoritmos de IA e plataformas em nuvem. Essa tendência vem ao longo dos anos e a expectativa é que isso aumente cada vez mais para as diferentes áreas dos saberes”.
O Ceia como ponte com o mercado

Além do bacharelado, a UFG abriga o Centro de Excelência em Inteligência Artificial (Ceia), que cumpre um papel central na conexão entre pesquisa, governo e empresas privadas. Criado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), o Ceia opera com o modelo da tríplice hélice e vem colhendo resultados.
“Através de parcerias com empresas e projetos de pesquisa e inovação, criamos uma escola de formação. A partir dessas oportunidades os alunos passam a vivenciar o mercado de trabalho. Mas sempre sob a tutela da universidade, recebendo uma formação mais sólida”, afirma a diretora-executiva Telma Soares.
Para ela, o envolvimento precoce com o mercado não diminui o valor da academia. Pelo contrário. “A inovação só acontece a longo prazo quando está ligada à pesquisa. O meio acadêmico está em constante rotatividade. Inovação precisa de novas ideias, novas perspectivas de visão”.
Segundo Telma, os resultados já são visíveis. “Na nossa experiência, alunos saem mais preparados para o mercado de trabalho. Muitos passam por vários projetos durante a graduação. Isso facilita muito, pois é uma curva de aprendizado. Essa inserção precoce garante mais experiências”.
Startup nascida em sala de aula
Um dos exemplos mais concretos dessa nova realidade é a Exordial.AI. A startup nasceu dentro da disciplina que exige a criação de uma solução de IA. Gustavo de Almeida Leite (32), Felipe Albernaz (18) e Thwaverton Martins (19) desenvolveram uma ferramenta que usa inteligência artificial para gerar petições, contratos e encontrar jurisprudência em minutos.
“Foi uma consequência do próprio curso. Pensamos na produção de documentos jurídicos utilizando IA”, diz Gustavo, que também é formado em Direito. Os produtos estão em fase de testes e a empresa já está em negociação com investidores.

Felipe explica a tecnologia por trás da proposta. “O sistema multiagentes é um dos nossos serviços. Trata-se de uma tecnologia que conecta vários agentes de IA para resolver problemas de forma conjunta. Nosso sistema será disponibilizado por assinatura”, explica.
Os desafios, como era de se esperar, não são apenas técnicos. “Questões de custo acabam sendo uma barreira de entrada, embora não sejam tão altos. Construir algo que tenha valor para o mercado também é um desafio”, diz Gustavo.
Sobre o futuro, os três fundadores têm planos ambiciosos. Gustavo quer seguir com a startup e fazer dela sua carreira. Felipe quer equilibrar: “Pretendo seguir com a startup, mas também busco explorar outras possibilidades. Quero investir o tempo necessário na empresa, mas também abrir espaço para outros caminhos”. Thwaverton, por sua vez, vislumbra horizontes ainda maiores: “Quero continuar com a startup e avançar nela. Mas também quero abrir outros caminhos que a IA permite. Há várias áreas para seguir”.
Um novo comportamento corporativo

Para o setor produtivo, o fenômeno exige adaptação. Cristina Ferreira Leal, CCO do grupo House of Brains, o observa com tranquilidade. “Esse movimento é natural. As empresas precisam desenvolver uma abordagem baseada em competência e experiência real, não apenas em diplomas”.
Segundo ela, a geração atual cresceu experimentando o digital e se expõe a experimentos curtos, práticos. “Quando têm competência prática, se destacam”.
Mas isso não elimina o papel da maturidade profissional. “Não vão substituir a maturidade. É preciso que o RH das empresas crie experiências de aprendizagem. Continuamos precisando da competência de lidar com problemas complexos”.
Cristina destaca também a importância do equilíbrio cultural: “É preciso que as empresas criem espaços de escuta e tenham visões mais empáticas. Devem colocar essas gerações para trabalharem juntas. As empresas estão passando por mudanças culturais. A forma que elas reagem se torna símbolo cultural”.
O que dizem os dados globais
O relatório Future of Jobs Report 2025, publicado pelo Fórum Econômico Mundial (WEF), reforça o que já se percebe no cotidiano das universidades e startups. Com base em dados de mais de 1.000 empresas em 55 economias (representando 14 milhões de trabalhadores), o documento prevê a criação de 170 milhões de empregos até 2030, com eliminação de 92 milhões de postos tradicionais – saldo líquido de 78 milhões.
As áreas com maior crescimento estão concentradas em tecnologia, dados, segurança digital, energias renováveis e saúde. Já as ocupações em declínio incluem funções operacionais e administrativas que podem ser automatizadas, como atendentes, caixas e digitadores.
O futuro do mercado
Até 2030, as profissões com maior crescimento estarão ligadas à tecnologia e aos serviços essenciais. Entre as que terão alta demanda, destacam-se os profissionais de inteligência artificial e machine learning, especialistas em big data, engenheiros FinTech, desenvolvedores de software e aplicações, além de especialistas em cibersegurança. Também crescerá a necessidade de engenheiros voltados para energias renováveis e veículos autônomos.
Na área da educação, haverá aumento na demanda por profissionais do ensino superior e secundário. A saúde continuará sendo um setor importante, com destaque para profissionais de enfermagem e cuidado pessoal. Assistentes sociais também terão relevância crescente. Além disso, trabalhadores ligados à construção, agroindústria e motoristas de delivery estarão entre os mais requisitados.
Por outro lado, algumas profissões tendem a entrar em declínio, como secretárias executivas, operadores de caixa, digitadores, contadores tradicionais, atendentes de serviços postais e designers gráficos, especialmente devido ao impacto da inteligência artificial generativa.
As 10 profissões que dominarão o mercado de trabalho até 2030
1 – Profissionais de Inteligência Artificial e Machine Learning
2 – Especialistas em Big Data
3 – Engenheiros FinTech
4 – Desenvolvedores de software e aplicações
5 – Especialistas em cibersegurança
6 – Engenheiros em energias renováveis e veículos autônomos
7 – Profissionais de educação (ensino superior e secundário)
8 – Profissionais de enfermagem e cuidado pessoal
9 – Assistentes sociais
10 – Trabalhadores da construção, agroindústria e motoristas de delivery