O fim de ano é um período de encontros. As casas se enchem, as mesas se alongam e as famílias se reúnem para celebrar, relembrar histórias e projetar desejos para o futuro. É também nessa época que, de forma quase inevitável, surgem reflexões sobre convivência, conflitos, escolhas e, sobretudo, sobre legado, aquilo que deixamos para além dos bens materiais.
Quando falamos em legado, é comum pensar apenas em patrimônio. Mas, na prática, ele é muito mais amplo. Inclui valores, relações, exemplos e a forma como organizamos aquilo que construímos ao longo da vida. Em famílias empresárias ou com patrimônio relevante, essa reflexão se torna ainda mais necessária, pois a ausência de regras claras costuma transformar o que deveria ser união em fonte de desgaste e conflito.
Um dos principais erros observados ao longo dos anos é a mistura entre afeto, patrimônio e gestão. Amor e vínculo familiar não podem ser confundidos com decisões patrimoniais ou administrativas. Quando isso acontece, abre-se espaço para expectativas desalinhadas, ressentimentos e disputas que, muitas vezes, poderiam ser evitadas com planejamento adequado e comunicação transparente.
Separar esses papéis não significa esfriar relações ou burocratizar a vida familiar. Pelo contrário, significa protegê-las. Regras bem definidas, acordos claros e estruturas jurídicas adequadas funcionam como instrumentos de preservação das relações, evitando que decisões difíceis precisem ser tomadas em momentos de fragilidade emocional, como em situações de falecimento ou ruptura.
O acordo de família é um instrumento estratégico de governança que estabelece regras claras para a relação entre família, patrimônio e empresa. Afinal, empresas familiares não fracassam por falta de mercado ou competência técnica, mas, na maioria das vezes, por conflitos internos mal endereçados. O acordo de família atua como mecanismo de prevenção, proteção patrimonial e continuidade institucional, garantindo previsibilidade, estabilidade e longevidade ao negócio ao longo das gerações.
A organização patrimonial e sucessória, quando feita de forma consciente, permite que cada membro da família compreenda seus direitos, deveres e limites. Isso traz segurança, previsibilidade e reduz significativamente o potencial de conflitos futuros. Mais do que isso, demonstra cuidado com aqueles que ficarão, um gesto concreto de responsabilidade e respeito.
Neste período em que as famílias se aproximam, talvez seja o momento ideal para olhar além das celebrações e refletir sobre o que realmente queremos deixar como herança. O verdadeiro legado não está apenas nos bens acumulados, mas na forma como eles são transmitidos, administrados e, principalmente, na harmonia das relações que permanecem.
Planejar é, em essência, um ato de afeto. É garantir que aquilo que foi construído com esforço não se transforme em motivo de ruptura, mas em base sólida para a continuidade da história familiar.

Ivan Lima, diretor da Acieg, membro do Conat/Fieg e CEO da KBL Contabilidade, sócia-membro do Tax Group.














