Nesta semana, um colega protagonizou uma cena nelsonrodrigueana, digna de A vida como ela é, no Superior Tribunal de Justiça.
Diante da experiente ministra Nancy Andrighi, o colega despejou um back to back para descrever um tipo específico de cláusula contratual. A Ministra, com a ironia e com a sagacidade de quem queria causar reflexão, cortou logo na raiz: "Eu gostaria tanto de saber em português como é, doutor".
Bem. Eu até nem deveria, mas – por precaução (você me conhece) – vou esclarecer, para não ficarem dúvidas. É óbvio. Repito. É óbvio que a Ministra e a assessoria conhecem cláusulas back to back. Pressupor isso é questão de respeito ao Tribunal. Ademais, é evidente também que não estou aqui a fazer qualquer crítica pessoal ou profissional ao colega advogado. É evidente que a crítica aqui não é a ele ou à prestigiada advocacia brasileira. Repito: é evidente que não é. O que importa, neste texto, é a reflexão.
Pois bem, o caso bombou (como alguns gostam de dizer) nas redes sociais, escancarou o retrato de uma cultura deselegante que nos assola a todos e fez-me lembrar a canção “A melhor banda de todos os tempos”, dos Titãs.
É incrível como algumas profissões, principalmente, ligadas ao mundo jurídico e ao mundo empresarial sucumbiram ao excesso de estrangeirismo e à cafonice subdesenvolvida, que é – para quem tem um olhar mais crítico e menos subserviente – uma verdadeira caricatura.
Eu sei que muitos estão lendo este texto e já estão pensando que esse estrangeirismo é normal no mundo dos negócios e no mundo dos faria limers; e que o texto é implicância minha, que é ignorância minha, que é até despreparo meu…
Mas…
Já adianto. Esse pensamento não é inteligente. Sou um estudioso dos negócios. Sou empresário e entendo como funciona o mundo corporativo. Ademais, não tenho qualquer implicância com línguas estrangeiras. Ao contrário, sou um linguista apaixonado por várias delas. Comparar estruturas linguísticas é mais do que um prazer: é um ofício. Ler Shakespeare, Victor Hugo e Garcia Márquez na língua original é muito importante para meu trabalho. Por fim, sou advogado e sei da influência do direito estadunidense em Terras de Pontes de Miranda.
Então, não sejamos ignorantes. O problema não está no uso do idioma alheio em si, mas nesse uso caricato e forçado, que subverte a nossa percepção de Brasil; que ridiculariza nossa autoimagem como nação culta, soberana e capaz de articular ideias complexas sem mendigar vocábulos estrangeiros, de forma desnecessária.
Nós estamos fazendo do português uma língua de segunda classe, porque – no fundo – nós nos sentimos um povo de segunda classe.
Por favor, admitamos isso. Não inventemos subterfúgios pseudocientíficos para justificar o uso, entre nós, do "business english" como passaporte para a sofisticação. Isso seria uma atitude, além de imoral, constrangedora e covarde.
Ouça esta. Noutro dia, pedi a um sujeito que gosta desse negócio de call, de invite, de rooftop, de insight, de approach e de sale que pudesse conversar comigo em inglês. Resultado. Ele não sabe inglês, mas – mesmo assim – usa esses termos para impressionar.
Esse caso é muito triste, mas é explicável pela antropologia contemporânea. Na excelente recém-lançada obra Coisa de Rico, do pesquisador e antropólogo Michel Alcoforado, há um estudo muito interessante que mostra como nós usamos códigos para acessar lugares privilegiados. A verdade é que o fim da aristocracia e o início da cultura burguesa (a do business pós- Revolução Francesa) tornou-nos estrambólicos, com uma cosmovisão rasteira.
A verdade é que nós tentamos nos convencer de que isso tudo é causa da globalização, mas – no fundo – nós sabemos que é falta de amor próprio; que é falta de “vergonha na cara”, como dizia meu avô.
A verdade é que, no fundo, nós dividimos as pessoas entre quem foi à Disney e quem não foi, como nos ensinou Ariano Suassuna.
A verdade é que, quando esse assunto é discutido em uma mesa, a nossa resposta interna e sincera é: I don't know. I just know it was like this.
Se é que você me entende…
Pare de ser um emerging market na sua própria língua (rsrs).
Não ache inteligentes essas minhas frases por estarem em inglês. Sabia que a inteligência está é nos pressupostos que você precisa ter para entender a minha ironia nessas frases e no restante do texto. Isso sim é que é digno de respeito. Não é inteligente macaquear palavras em inglês para parecer inteligente ou mais importante.
Portanto, um idiota em inglês NÃO é melhor do que eu e vocês.

Carlos André Pereira Nunes, Linguista, professor, advogado especializado em redação de atos normativos, conselheiro da OAB, diretor da ACIEG e Presidente do Instituto Carlos André.














