Encerrado o ano de 2024, o governo novamente gastou mais do que arrecadou. Mas isso já nem parece novidade. Já nos acostumamos ao tal déficit nas contas públicas.
A expressão “déficit” pode ser familiar, todavia há um detalhe importante: nem todo déficit é igual. Déficit primário é a diferença entre as receitas e despesas do governo, sem considerar os juros da dívida. Já o déficit fiscal ocorre quando o governo não tem arrecadação suficiente para suportar todas as suas despesas, incluindo juros e correções da dívida.
Vamos imaginar uma empresa com operação eficiente, mas com grande endividamento, que não vem pagando integralmente os juros de sua dívida e sofre prejuízo apesar de sua eficiência. Se, por milagre, as dívidas desaparecessem, essa empresa imediatamente se tornaria lucrativa. Para essa situação (bons resultados operacionais, mas prejuízos decorrentes do endividamento), há uma ferramenta chamada recuperação judicial.
Na recuperação judicial, empresa e credores, em um processo conduzido por um juiz, buscam um meio-termo, com redução de juros e encargos financeiros, permitindo que a eficiência operacional da empresa seja utilizada para quitar as dívidas.
Agora, imaginemos outra empresa, também com grande endividamento, mas cuja operação seja deficitária mesmo antes dos juros. O problema dessa empresa não está nas dívidas, e sim na ineficiência. Se, por um milagre, suas dívidas desaparecessem, ela ainda assim continuaria gerando prejuízos e contraindo novas dívidas. Para essa situação, a ferramenta aplicável tem o nome de falência.
A primeira empresa (a da recuperação judicial) seria um bom exemplo de superávit primário (bons resultados operacionais), mas com déficit fiscal (juros não totalmente pagos). Já a segunda empresa (a da falência) seria um exemplo de déficit primário.
Entre 1997 e 2013, o Brasil teve superávit primário todos os anos. No resultado fiscal, houve certo equilíbrio, alternando entre anos com algum déficit fiscal e anos com superávit fiscal. Éramos como uma empresa eficiente na operação, ainda gerando algum excedente para manter certa regularidade no pagamento dos juros.
Desde que o Banco Central começou a registrar sua série histórica sobre os resultados das contas públicas, 2014 foi a primeira vez em que o Brasil teve um déficit primário. Em 2015, a segunda vez. Em 2024, chegamos ao 11º déficit primário consecutivo. Ou seja, o Brasil passou a última década sendo incapaz de manter suas despesas básicas menores que suas receitas.
Em resumo, se o governo federal fosse uma empresa, regido pelas mesmas regras e leis, sua falência já teria sido decretada há muito tempo.
Diante desse cenário, penso que deveríamos todos estar em pânico. E o que me parece mais preocupante é que as pessoas que conduzem a economia do Brasil continuam defendendo, com calma e tranquilidade, que não há necessidade de cortes em despesas – como se o problema não fosse aqui.
Mas, quando o cenário é ruim e quem tem o leme do navio insiste naquilo que não funciona, só há duas possibilidades: ou estamos em mãos incompetentes, que não perceberam a real situação, ou em mãos irresponsáveis.
Bicho pega, bicho come. Como é mesmo o ditado?

Dênerson Rosa
Advogado, fundador da Sociedade de Advogados Dênerson Rosa, mais de 20 anos de atuação em Direito Tributário e Empresarial.