Por Ana Manuela Arantes
Com a atualização da Norma Regulamentadora nº 01 (NR-01), que entra em vigor com aplicação de multas em maio de 2026, as empresas brasileiras enfrentam um novo desafio: incorporar os riscos psicossociais à gestão de segurança e saúde no trabalho. O tema não é apenas técnico, mas jurídico e pode gerar consequências sérias para quem ignorar as novas exigências.
Segundo o advogado trabalhista Ivan Henrique de Sousa Filho, especialista em assessoria a empresas da Rodovalho Advogados, a nova NR-01 representa um avanço importante ao exigir que as empresas desenvolvam um Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) mais completo e integrado. Agora, além dos riscos físicos, químicos e biológicos, as organizações devem considerar fatores como estresse, sobrecarga, assédio moral e metas abusivas.

“A NR-01 atualizada terá impacto direto nos setores de Recursos Humanos e Segurança do Trabalho. Cabe aos empregadores fornecer condições materiais e estruturais para que esses departamentos possam atuar de forma eficaz”, destaca Ivan.
De acordo com o advogado, um dos pontos mais sensíveis da nova norma é o chamado rigor probatório. As empresas precisarão documentar tudo: do inventário de riscos ao plano de ação às evidências de monitoramento. “Esses documentos, se mal feitos, podem ser usados contra a própria empresa em ações judiciais”, alerta.
Além disso, o armazenamento digital dos registros precisa seguir critérios técnicos rígidos para garantir validade e integridade. A perda ou corrupção de arquivos pode resultar na nulidade da documentação, sujeitando a empresa a multas.
Ivan reforça que a omissão diante de queixas de assédio ou sobrecarga emocional já configura infração trabalhista. “A NR-01 exige a criação de canais de denúncia sigilosos, medidas de apuração e sanções. Ignorar essas situações pode resultar em indenizações por dano moral, inclusive coletivas.”
A quem se aplica
Todas as organizações com empregados sob CLT, incluindo empresas públicas e privadas, rurais e urbanas, devem se adequar à norma. Para empresas de pequeno porte, o especialista recomenda o uso do Sistema PGR do Governo Federal, disponível no portal Gov.br, como uma forma simplificada e gratuita de iniciar o processo de adequação. “É essencial começar com um PGR simples e objetivo, focado nos principais riscos da atividade, e capacitar os gestores sobre saúde e segurança no trabalho e prevenção ao assédio”, orienta.
Segundo o advogado, devem ser identificados os fatores psicossociais incidentes em sua atividade empresarial, mapeando a sua carga de trabalho, jornadas extensas, metas agressivas, assédios e situações que possam gerar conflitos durante o exercício da atividade laboral, na etapa de inventário de riscos do PGR. Outra ação seria criar políticas internas de prevenção ao assédio com regras claras, canais de denúncia sigilosos e capacitação anual de todos os níveis – exigência expressa para empresas obrigadas a possuir uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa).
Para se proteger juridicamente, também devem registrar e monitorar indicadores para comprovar diligência e atuação efetiva da empresa; atualizar contrato de trabalho e regulamento interno com cláusulas sobre respeito e bem-estar; e ter uma assessoria de Recursos Humanos, Segurança do Trabalho e departamento jurídico integrados e alinhados para atendimento da norma.
Atuação dos sindicatos

O vice-presidente do Sindicato das Empresas de Asseio, Conservação e Serviços Terceirizados do Estado de Goiás (Seac-GO), Leo Moreira, afirma que a entidade está acompanhando as mudanças de perto e orientando suas associadas com uma série de ações educativas e técnicas.
“Desde que as alterações começaram a ser discutidas, temos enviado informações, promovido workshops e disponibilizado materiais técnicos para os empresários. Existe um grupo de estudo que acompanha esse tema há anos, com base em notas técnicas, cartilhas e publicações oficiais”, explica o dirigente.
Segundo ele, o que antes era visto como algo secundário, agora ganha força legal. “Não é só uma exigência legal, é uma estratégia legítima de valorização das pessoas e de competitividade empresarial”. Ele destaca ainda a importância de as empresas estruturarem ambientes seguros para que os colaboradores possam expressar questões emocionais e buscar apoio. “O acolhimento psicológico e o suporte terapêutico dentro do ambiente corporativo são tendências irreversíveis. Já existem consultorias que oferecem esse tipo de serviço de forma acessível”, pontua.
De acordo com o representante do Seac-GO-GO, as empresas que estão se antecipando e promovendo ações estruturadas, como palestras sobre diversidade, saúde da mulher, violência doméstica e respeito às diferenças, já estão colhendo benefícios, como maior retenção de talentos, redução do absenteísmo e do chamado ‘presenteísmo’, quando o funcionário está presente fisicamente, mas mentalmente desconectado.
“Esses problemas impactam diretamente a produtividade. Quando o clima organizacional se deteriora, o custo aumenta e os resultados caem. Já empresas que investem em clima saudável têm ganhos claros, inclusive com mais segurança jurídica frente à nova legislação.”
Apesar do prazo de um ano de caráter educativo, que vai até maio de 2026, o dirigente do sindicato alerta: o tempo é agora. “Estamos incentivando que as empresas implementem ações básicas desde já, como canais de ouvidoria, revisão das políticas internas e treinamentos. Esperar as sanções começarem para agir é um erro que pode sair caro”, adverte.
Para ele, o grande risco está na desinformação e na abordagem isolada dos setores empresariais. “É um processo multidisciplinar: o médico do trabalho, o engenheiro de segurança, o RH, o jurídico, todos têm um papel. Se cada um agir por conta própria, sem integração, o resultado será frágil”.
Ele conclui com outro alerta direto aos empresários: “Se o trabalhador conseguir comprovar, judicialmente, que sofreu dano por causa de omissão da empresa diante de riscos psicossociais, o impacto será financeiro. E o argumento de ‘não sabia’ não vai funcionar, porque o tempo para agir é agora”.
Prática nas empresas

A Rizzo Imobiliária já iniciou sua adequação ao novo modelo de gestão de riscos ocupacionais. A empresa tem tratado o processo como parte de uma transformação mais ampla, que une segurança do trabalho, saúde mental e desenvolvimento humano.
Segundo o supervisor de Gente, Cultura e Estratégia da empresa, Lucas Cruz, o foco está na implementação efetiva do PGR e no fortalecimento de uma cultura organizacional voltada ao cuidado com as pessoas.
“Muitas ações já faziam parte da nossa rotina. O desafio foi formalizar, documentar e integrar essas práticas ao PGR, conforme os critérios técnicos da norma”, destaca.
A empresa estruturou um processo robusto de identificação de riscos, incluindo mapeamento setorial, entrevistas com gestores, observação direta das rotinas e análise de jornadas. Além dos riscos físicos e ergonômicos, os riscos psicossociais passaram a receber atenção especial.
Iniciativas
Entre as iniciativas implementadas pela Rizzo Imobiliária, destacam-se:
- Programa de Mentoria com temas como inteligência emocional, gestão de conflitos e prevenção ao assédio;
- Sessões de terapia, consultoria financeira e acompanhamento médico sem custo para os colaboradores;
- Trilhas de carreira e planos de desenvolvimento individual (PDI) alinhados a metas claras e avaliação de desempenho;
- Ambiente de escuta ativa, com líderes treinados para acolher e encaminhar situações de desconforto ou sobrecarga.
Treinamentos, integração e cultura de prevenção
A Rizzo também reforçou seus treinamentos obrigatórios, incluindo agora temas como assédio moral e sexual, além de conteúdos voltados à saúde emocional. Esses treinamentos são integrados ao processo de onboarding, avaliação de desempenho e RH estratégico, promovendo uma abordagem multidisciplinar e contínua.
Para garantir que as mudanças não fiquem apenas no papel, a empresa criou rotinas de escuta estruturadas, monitoramento constante de indicadores (como KPIs e clima organizacional) e maior sinergia entre os setores responsáveis.
“A NR-01 exige que as áreas conversem entre si. Aqui, RH, jurídico, contabilidade e consultorias externas atuam de forma integrada para garantir conformidade e bem-estar.”
Mesmo com uma cultura já voltada ao cuidado com os colaboradores, a Rizzo enfrentou obstáculos. Entre os principais, a necessidade de documentar formalmente ações já realizadas; a dificuldade de identificar e mensurar riscos subjetivos, como o estresse e os conflitos interpessoais; o engajamento de áreas comerciais e administrativas, que têm rotinas mais intensas e metas agressivas.
Ainda assim, a empresa adaptou suas rotinas sem comprometer a produtividade. A prioridade, segundo o supervisor, é “alinhar resultado com saúde emocional”. “Cuidar das pessoas é também cuidar da sustentabilidade do negócio. A NR-01 é um chamado para empresas repensarem sua forma de gerir riscos e relações de trabalho”, finaliza.