Durante anos, o crédito foi tratado como símbolo de confiança e relacionamento. Empresas que captavam em dólar, que emitiam títulos no exterior ou que mantinham ratings sólidos eram vistas como modelos de sucesso e estavam sempre em evidência.
Mas o que acontece quando a confiança se transforma em ilusão? Os últimos meses mostraram que o crédito, se mal compreendido, é uma faca de dois gumes — uma que impulsiona o crescimento, mas também corta fundo quando a realidade muda de direção.
O recente abalo no mercado de obrigações corporativas brasileiras é um exemplo nítido disso. Empresas como Ambipar, Braskem e Raízen, cada uma com histórias e setores distintos, viram o preço de seus títulos desabar no mercado internacional.
As razões variam — de questões judiciais à volatilidade cambial —, mas o pano de fundo é o mesmo: alavancagem alta, excesso de confiança e pouca ou nenhuma margem de reação.
Se isso atinge grandes grupos, o impacto sobre as médias empresas é ainda mais sensível. Elas vivem o dilema de crescer em mercados competitivos, mas com acesso restrito e caro ao crédito. Sem as mesmas reservas, garantias ou poder de barganha dos grandes conglomerados, acabam ficando expostas à volatilidade, à dependência bancária e a ciclos de juros que não controlam. Para elas, o “erro de timing” financeiro pode custar a operação — e, em muitos casos, a própria sobrevivência.
O problema não está em buscar crédito, e sim em tratá-lo como extensão do poder.
Muitas companhias dominam as suas planilhas, seus fluxos e suas projeções, mas subestimam o que não se mede em Excel: o fator confiança e sensibilidade de mercado.
Quando os investidores ou os bancos perdem a crença na gestão, na transparência ou na capacidade de reação, o capital desaparece mais rápido do que qualquer fluxo de caixa consegue prever.
O mercado financeiro é implacável com quem acredita demais em sua própria estabilidade. A arrogância do “sabemos o que estamos fazendo” é a antítese da boa governança. Conselhos, CFOs e donos de médias empresas não precisam saber tudo — precisam questionar tudo: as premissas de endividamento; a dependência cambial; o real custo de carregar dívidas longas em
ambientes de risco.
A função do conhecimento, no mundo corporativo, não é criar certezas, mas identificar fragilidades. O episódio recente é um lembrete duro de que o crédito é uma confiança alugada — e quem o trata como propriedade acaba descobrindo o preço do descuido.
Empresas sólidas não são as que sabem mais, mas as que sabem ouvir sinais de alerta, ajustar rota e preservar reputação antes que o mercado cobre a fatura.
Em tempos de instabilidade e juros elevados, talvez o maior ativo de uma organização — grande, média ou pequena — não seja sua a capacidade de captação, mas a sua sabedoria de saber até que ponto deve ir.

Rondinely Leal,
executivo com 20 anos de experiência em gestão, com atuação em grupos nacionais e multinacionais. Contador por formação com especialização em análise e auditoria, MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria. Professor e consultor.














