“Sempre há de triunfar a vida inteligente. Basta que se trabalhe sem trégua”. O maior de todos os intelectuais do Brasil, Machado de Assis, revela-nos, com ironia e, paradoxalmente, com otimismo, as mazelas da dificuldade do desenvolvimento intelectual no Brasil. Com ironia, porque ele via um contexto de absoluta imbecilidade e de amadorismo do projeto de construção do povo brasileiro, sempre o colocando à margem da inteligência. Via, porém, com otimismo, porque – mesmo nesse ambiente hostil à intelectualidade – o esforço constante pelo pensamento lúcido e sério tem potencial de prevalecer: não por sorte, mas por trabalho persistente em prol de homens e mulheres alfabetizados funcionalmente.
É impressionante pensar que a teoria machadiana do Humanistismo escancara que o Brasil do século XIX ainda está presente em nós. O Brasil do atraso insiste em nos fazer olhar o espelho e nos envergonhar da nossa ignorância. No Brasil, quase 30% dos cidadãos entre 15 e 64 anos não conseguem interpretar textos, resolver problemas simples nem decifrar informações cotidianas. São analfabetos funcionais. Apenas 7,7 % saem do ensino básico com proficiência em português e em matemática. Resultado disso: mão de obra desqualificada e o pior: a certeza cultural de que não há necessidade de estudar, porque “muita gente consegue ser bem-sucedido economicamente sem ser culto”, o que explica nossa pouca competitividade no mercado internacional e nosso posicionamento de oferecedores mundiais de produtos primários (commodities) e avessos à sofisticação tecnológica.
Infelizmente, a verdade tupiniquim nos assombra: o Brasil despreza os intelectuais e odeia a inteligência. Historicamente, o País jamais cultivou apreço por quem pensa. O termo “intelectual” virou quase um xingamento, sinônimo de gente elitista, distante da realidade. Isso é resultado de uma tradição populista que valoriza o carisma e a retórica vazia em vez da profundidade reflexiva. Nós demos um golpe em Dom Pedro II, que era um monarca leitor, poliglota e apaixonado pela ciência; nós desprezamos Rui Barbosa, citado como “cérebro demais para um País de coração”; nós rejeitamos Ulisses Guimarães, verdadeiro arquiteto da democracia brasileira, figura tão influente quanto voluntariamente esquecida.
A verdade é que a inteligência não é pop no Brasil. A verdade é que nós preferimos humanos que fazem política e gestão “pelo estômago”, não pelo cérebro, sempre avessos ao debate e à crítica. Nós sempre preferirmos a burrice do jeitinho e da viralacitece. O resultado? Nós mantemos viva a crença brasileira de que intelectualidade atrapalha, de que pensar é coisa de gente “metida”; que ler é estranho; que o sucesso só vem pelo improviso e pela malandragem relacional: nunca pelo estudo.
Vim do interior do Tocantins, filho de uma geração que sempre acreditou que a intelectualidade e o trabalho são a única forma de ascensão social com dignidade. Torne-me professor, advogado e empresário com essa crença inabalável. Fiz do hábito da leitura e da reflexão um modo de vida e sempre admirei líderes internacionais com esse perfil. Penso que apenas com seriedade intelectual, com leitura e com compromisso ético o Brasil escapará do atraso. O desprezo pela inteligência é o que condena o País a repetir erros históricos.
A valorização da intelectualidade é o único caminho para uma economia moderna, para uma sociedade democrática e para uma cultura inclusiva e crítica.

Carlos André Pereira Nunes,
Linguista, professor, advogado especializado em redação de atos normativos, conselheiro da OAB, diretor da ACIEG e Presidente do Instituto Carlos André.