A proposta de criação de um Imposto Seletivo, inserida na reforma tributária aprovada pelo Congresso, reacende uma discussão sensível: qual deve ser o papel dos tributos em uma sociedade democrática? O novo imposto pretende incidir sobre produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente — como cigarros, bebidas alcoólicas, combustíveis fósseis e alimentos ultraprocessados. A justificativa oficial é nobre: desestimular comportamentos de alto custo social. Mas, por trás do argumento sanitário e ambiental, despontam dúvidas legítimas. Estaríamos diante de um instrumento de justiça fiscal ou de um modelo de interferência estatal sobre escolhas individuais?
Do ponto de vista teórico, o Imposto Seletivo se inspira no conceito de tributação pigouviana, que busca corrigir externalidades negativas. Se um produto gera efeitos danosos para além do indivíduo que o consome — como despesas públicas com saúde ou poluição ambiental —, faz sentido que ele seja mais onerado. Essa lógica, utilizada em diversos países, encontra respaldo técnico e pode ser um importante instrumento de política pública.
Contudo, no Brasil, essa proposta precisa ser analisada com cautela. Primeiro, pela vaguidade conceitual do que se entende por “produtos nocivos”. A depender da regulamentação, abre-se margem para arbitrariedade legislativa e discricionariedade excessiva, permitindo que critérios políticos ou morais, e não técnicos, definam os alvos da tributação. Em uma sociedade plural, não é tarefa do Estado decidir o que é um “bom consumo”.
Além disso, o imposto pode reforçar o traço mais injusto do sistema tributário brasileiro: a regressividade. Itens como refrigerantes, bebidas industrializadas e até cosméticos populares integram o cotidiano das classes de menor renda. Ao tributar esses produtos com alíquotas elevadas, o Estado penaliza mais severamente quem menos pode pagar — justamente o oposto do que se espera de um sistema fiscal justo.
Outro ponto crítico está na finalidade arrecadatória disfarçada sob uma retórica corretiva. Se o objetivo do Imposto Seletivo é desestimular o consumo de certos bens, sua arrecadação deveria ser transitória ou decrescente. No entanto, não são raras as vezes em que o Estado se acomoda na dependência dessas receitas. Cria-se, assim, uma contradição: para que o tributo continue a gerar recursos, o comportamento que se pretende coibir precisa… continuar existindo.
A discussão jurídica também não é trivial. Como tributo federal, o Imposto Seletivo não permite vinculação de receita. Ainda assim, seria razoável que os valores arrecadados fossem direcionados à saúde pública ou à compensação ambiental. Caso contrário, a alegada função extrafiscal perde força e revela o verdadeiro objetivo: arrecadar mais.
Por fim, é preciso reconhecer que a justiça fiscal exige mais do que boas intenções. Requer proporcionalidade, transparência e coerência sistêmica. Um imposto que se propõe a corrigir externalidades sociais deve ser tecnicamente fundamentado, regulado com parcimônia e atento ao seu impacto distributivo.
Caso contrário, sob o pretexto de proteger o cidadão, o Estado pode estar apenas refinando o mesmo sistema que penaliza o consumo popular enquanto protege grandes rendas e patrimônios. Nesse cenário, o Imposto Seletivo deixa de ser um mecanismo de justiça e passa a ser, mais uma vez, uma ferramenta de desequilíbrio disfarçado.

Dênerson Rosa,
advogado, fundador da Sociedade de Advogados Dênerson Rosa, mais de 20 anos de atuação em Direito Tributário e Empresarial.