Por Rafael Vaz
O crime organizado é uma das expressões mais sofisticadas da criminalidade contemporânea. Vai além da violência visível das ruas ou das rebeliões em presídios. Envolve redes estruturadas, hierarquizadas e com capacidade de operar transnacionalmente, utilizando mecanismos como corrupção, lavagem de dinheiro e agora também os crimes virtuais. Ao mesmo tempo, essas organizações se adaptam com rapidez e aproveitam brechas nas instituições para manter o funcionamento de um verdadeiro “modelo de negócios” baseado na ilegalidade.

Para o promotor de Justiça Marcelo Amaral, integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de Goiás (MP-GO), o crime organizado no Brasil é caracterizado pela união de várias pessoas com o objetivo comum de praticar crimes como tráfico de drogas, roubos e lavagem de dinheiro. Segundo ele, grande massa do dinheiro e da criminalidade vem das organizações criminosas.
No Brasil, o fortalecimento de organizações criminosas tem raízes profundas no sistema penitenciário. Grupos surgidos dentro dos presídios a partir das décadas de 1970 e 1990 conseguiram se expandir para além das muralhas, consolidando sua presença nas periferias urbanas. A ausência do Estado em áreas vulneráveis, somada à superlotação carcerária e à corrupção, criou um ambiente propício para o crescimento dessas organizações, que passaram a exercer controle sobre territórios e redes ilícitas em todo o País.
Aos poucos, essas facções passaram a se articular nacional e internacionalmente, ampliando sua influência sobre o tráfico de drogas, o contrabando de armas, a exploração de serviços clandestinos e diversas formas de extorsão. “As facções existentes contam com uma organização interna. Um dos mais conhecidos funciona por sintonias estruturadas e divididas. Algumas vezes, os membros respondem diretamente ao comando único”, explica o promotor Marcelo Amaral. Ele cita um caso específico: “Tivemos uma operação em que, na casa de uma liderança nacional em São Paulo, encontramos uma lista de nomes de pessoas que atuavam em Goiás”.
Para manter o funcionamento e gerar lucro, essas organizações operam como verdadeiras empresas. Há divisão de tarefas, metas a serem cumpridas e mecanismos de controle. “É uma espécie de estrutura empresarial, na qual os membros têm que prestar contas e gerar lucros”, observa o promotor. A fidelidade ao grupo é frequentemente imposta por meio de juramentos, códigos internos e punições severas, inclusive com a aplicação da pena de morte para traidores ou inadimplentes.
O maior desafio: seguir o rastro do dinheiro
Um dos pontos mais críticos no combate ao crime organizado é o financiamento dessas atividades. O fluxo de dinheiro ilícito ocorre em múltiplas camadas, muitas vezes passando despercebido. “Cada vez é mais complexo perseguir o dinheiro oriundo do crime. O desafio está justamente nesse sentido, por causa dos bancos digitais. O dinheiro lavado gira várias vezes”, explica Marcelo Amaral.
Segundo ele, durante operações, é comum identificar o uso de instituições financeiras pouco conhecidas ou recém-criadas para movimentar valores altíssimos de forma dissimulada. “Muitas vezes, no meio das investigações, são descobertos bancos digitais que nem mesmo se conhecia a existência”, diz.

Como funciona a lavagem de dinheiro?
Entenda o processo que transforma dinheiro sujo em capital aparentemente legal:
Colocação
O dinheiro de origem ilícita é inserido no sistema financeiro, por meio de depósitos, compra de ativos ou negócios de fachada.
Ocultação
São feitas transferências entre contas, empresas ou até países diferentes. O objetivo é dificultar o rastreamento da origem de valores.
Integração
O dinheiro retorna ao mercado em forma de investimentos, empresas ou bens de alto valor, parecendo ter origem lícita.
Criminalidade na era virtual
Com o avanço da tecnologia e a crescente digitalização da sociedade, o crime organizado também tem se adaptado e migrado suas ações para o ambiente virtual. Crimes que antes ocorriam exclusivamente nas ruas agora ganham versões mais sofisticadas e de maior alcance por meio da internet, como fraudes financeiras, golpes cibernéticos e invasões de sistemas. Essa transformação traz novos desafios para as forças de segurança, que precisam acompanhar essa evolução para combater as atividades ilícitas que impactam milhões de pessoas e movimentam grandes somas de dinheiro.

O promotor Marcelo Amaral destaca um ponto que merece atenção especial: a modernização do crime organizado. “A migração constante do crime de rua para o digital é uma tática de modernização das organizações criminosas”, relata. Um caso emblemático é o de um criminoso que, antes de ser investigado, praticava roubos de veículos. Depois, passou a atuar no meio virtual, aplicando golpes que somaram mais de R$ 20 milhões. “Apesar da complexidade crescente, as investigações também têm avançado. O MP-GO, por exemplo, está bem à frente nesse sentido”, ressalta Amaral.

O delegado Leonardo Dias Pires, do Grupo de Repressão a Roubos da Delegacia Estadual de Investigações Criminais da Polícia Civil de Goiás, é direto: “Há um padrão”. Segundo ele, os golpes digitais geralmente envolvem ao menos duas pessoas – uma responsável pelo contato com a vítima e outra que recebe o dinheiro. “Via de regra, quem recebe não é quem aplica o golpe”, explica.
No início, os criminosos usavam contas bancárias emprestadas por comparsas e aplicavam golpes locais, o que facilitava a prisão. Hoje, o esquema é mais sofisticado: “Quem aplica o golpe liga para pessoas de outros estados, justamente para dificultar as investigações e evitar prisões em flagrante”, conta.
Segundo o delegado, a conexão entre o crime organizado tradicional e os crimes digitais está cada vez mais evidente. “Em alguns estados, como Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo, as facções fomentam a aplicação desses golpes. Há inclusive um movimento de facções dominando alguns serviços de internet para facilitar os crimes”, alerta Leonardo Dias.
Os golpes digitais mais comuns no Brasil
- Golpe do novo número: o criminoso finge ser um conhecido que trocou de celular e pede transferências.
- Golpe do falso advogado: envolve chamadas ou mensagens sobre supostas ações judiciais com valores a receber, com pedido de pagamento para liberação de valores.
- Falsa central telefônica: a vítima acredita estar falando com o banco, e fornece dados sensíveis.
- Falso boleto ou Pix: links maliciosos levam a pagamentos desviados para contas dos criminosos.
- Golpes em sites de venda: produtos vendidos por preços muito abaixo do mercado, com exigência de pagamentos antecipados.
Quem são as vítimas?
Os crimes digitais estão em crescimento acelerado no Brasil. Segundo a mais recente pesquisa do Instituto DataSenado, cerca de 24% da população com mais de 16 anos já foi vítima desse tipo de golpe. Estima-se que mais de 40 milhões de brasileiros tenham perdido dinheiro em fraudes virtuais.
Apesar da percepção de que idosos seriam os principais alvos, os dados mostram um perfil diferente. Jovens entre 16 e 29 anos representam 27% das vítimas. A faixa entre 30 e 44 anos responde por 22%, enquanto pessoas com mais de 60 anos somam 16% dos casos.

Outro dado importante é que o nível de escolaridade não protege contra esses crimes. Entre as vítimas que perderam dinheiro:
- 35% têm ensino médio completo;
- 29% têm ensino superior incompleto ou mais;
- 22% têm até o ensino fundamental incompleto;
- 15% concluíram o ensino fundamental.
Esses dados revelam que os criminosos não escolhem suas vítimas com base na idade ou escolaridade, mas sim pela vulnerabilidade em situações específicas, como urgência, confiança ou distração.
O papel do Estado e da sociedade
Para enfrentar um fenômeno tão complexo, a resposta precisa ser igualmente estratégica. “O Ministério Público de Goiás tem sido um exemplo neste sentido”, afirma Marcelo Amaral. Segundo ele, o procurador-geral de Justiça estabeleceu como prioridade o combate ao crime organizado, com investimentos em tecnologia e capacitação de equipes. “Hoje lidamos com questões que há poucos anos não lidávamos. O crime organizado é uma ameaça à democracia. Há países em que essas organizações passaram a influenciar instituições, e não podemos permitir isso aqui”, conclui.
Já para a população, o delegado Leonardo Dias reforça a importância da atenção. “Cada golpe tem a sua prevenção específica. Em geral, é melhor desconfiar de ligações e mensagens de números desconhecidos, especialmente quando há pedidos de Pix ou envio de links. E nunca fazer transferências para terceiros sem verificar a procedência”, alerta. Em caso de golpe, a recomendação é clara: procurar imediatamente o banco e uma delegacia da Polícia Civil.