O Brasil vive uma crise que não é apenas econômica ou institucional: é uma crise de qualidade humana no comando da Nação. Os três poderes passaram por uma transição geracional curiosa – empobrecimento em conteúdo, enriquecimento em verbas. Perderam o escrúpulo, a compostura e, sobretudo, a capacidade de reconhecer o ridículo. Transformaram suas lambanças e novelas diárias em exibição pública, sem constrangimento, sabendo que as regras foram moldadas para garantir permanência, reeleição e renovação dos mesmos grupos.
O Executivo coleciona recordes de arrecadação, mas entrega pouco. Populista moderno, promete transformação enquanto devolve meras obrigações como se fossem grandes obras. Junta um pacotão de reformas, empilha obrigações orçamentárias e promove foguetórios para disfarçar a inoperância. O foco é expropriar os contribuintes das formas mais disfarçadas ou diretas possíveis, para manter toda essa estrutura exorbitante e opulência para os marajás e quem consegue orbitar esses espaços de poder. Quanto à infraestrutura produtiva e apoio ao desenvolvimento, está fora da pauta há décadas, não é prioridade.
O Legislativo, então, virou um colosso de dinheiro e um deserto de ideias. As portas de gabinetes – engordadas por emendas – são mais habitadas do que qualquer recepção ministerial (cada vez mais vazias). Um deputado sem expressão hoje, e são muitos, tem poder financeiro dez vezes maior do qualquer grande líder de três ou quatro legislaturas atrás. As emendas compram apoios, votos e lealdades regionais, e blindam mandatos. Dão tamanha independência que hoje esnobam o Executivo – que é quem ajoelha hoje. Legisladores que já produziam pouco agora produzem menos, e quando produzem, legislavam para retaliar governo e tribunais ou para atender lobbies que hoje estão cada vez mais agressivos e infiltrados nos corredores parlamentares.
O debate virou um espetáculo grotesco: brigas, agressões, cadeiras tomadas na presidência da Câmara, votações que atingem a sociedade sem qualquer consulta ou que são usadas para vinganças a outros poderes. A cúpula do Congresso, como desenhou Niemeyer, hoje é blindada – física e simbolicamente. Habitam um universo paralelo.
O Judiciário sofre das mesmas doenças. Lobbies, vínculos ou proximidade com bancas milionárias, decisões que invadem o espaço do Legislativo, ausência de punições reais. O que antes era uma casa de grandes juristas, hoje é uma reserva política de apadrinhados, ex-secretários ou ministros e, na última linha, o controle da constitucionalidade. O vício do jogo político não sai das veias dos que seriam os guardiães da Constituição Federal. Juízes flagrados em erros graves são premiados com aposentadorias integrais. Quando ocorre, a punição virá privilégio.
Vivemos uma espécie de Idade Média pós-moderna: palácios, luxos, salários babilônicos e amizades suspeitas, enquanto a sociedade segue pacificada, sonolenta, dopada por futilidades e pela polarização artificial que serve mais para calar do que para expressar. Uma torcida organizada de ruminantes de cada lado, com falsa sensação de pertencimento alimentada pela guerra midiática.
A imprensa, o quarto poder, foi esmagada. Combatida como inimiga pelos poderes que odeiam denúncia, ficou fragilizada. Vendem a todos que a imprensa é inimiga. Sim é inimiga de quem não quer ser investigado, punido ou ter sua imagem ligada a suas peraltices ou até corrupção. Hoje, a imprensa fala, denuncia, investiga, mas o efeito é menor, porque fala a um povo que não lê, e quando lê não reage. Os poderes implantaram o vírus da passividade. O Brasil perdeu a rebeldia e a inteligência coletiva que transformam sociedades. Até na Idade Média, os plebeus pareciam mais vivos que nós. Hoje, somos um superexército de natimortos em pé, aplaudindo um lado e xingando o outro. O baixo caráter venceu e quer nivelar à sua estatura a nossa sociedade estática. Está perto de conseguir.
Leandro Resende,
editor-chefe
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