Planejar tributos, em 2026, é uma necessidade operacional e estratégica. A Reforma Tributária sobre o consumo alterou drasticamente a tributação dos bens e serviços que, com a LC 214/2025 reorganizou a tributação em torno do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), ampliando a não cumulatividade, deslocando a incidência para o destino e exigindo maior coerência entre o que a empresa compra, vende e o que documenta. Isso altera a formação de preço, a margem e a organização interna de compras, vendas, financeiro e jurídico, especialmente em serviços, em que a apropriação de créditos passa a ter papel mais relevante do que no modelo anterior.
Nesse cenário, as empresas precisam repensar os regimes contábeis. Empresas de serviços que contratam software, nuvem, mídia e consultorias tendem a capturar mais benefício no Lucro Real, pela via do crédito, enquanto operações muito intensivas em mão de obra e com baixa aquisição de insumos tributados podem seguir eficientes no Presumido. Mas essa é uma ideia geral, a comparação correta exige simular a cadeia de insumos e a carteira de clientes, porque, se o cliente se credita, ele pressiona preço e, se não se credita, isso pesa menos na negociação.
A gestão de créditos passa a ser vital dependendo bastante de documentos fiscais adequados para créditos idôneos, classificando corretamente o serviço, base de cálculo aderente ao contrato e comprovação do local da operação. Isso implica em parametrizar o ERP, automatizar conferência de NFS-e e anexos, padronizar contratos de recorrência e definir responsabilidades entre compras, fiscal e jurídico. Sem esse encadeamento, a neutralidade prometida pela reforma se frustra: créditos deixam de ser aproveitados por falhas formais, e o que seria ganho de margem se converte em contingência.
Há impactos claros no caixa e no relacionamento com intermediários. A transição prevista em norma complementar, com ajustes graduais de alíquotas e novas obrigações acessórias, altera o timing do recolhimento e a conciliação entre faturamento e pagamento. Políticas de faturamento, meios de pagamento e cláusulas de repasse precisam ser revisadas para evitar descompasso entre a apuração do tributo e a entrada de recursos, sob pena de a empresa financiar terceiros sem perceber. É prudente incorporar testes de estresse de capital de giro às simulações de regime, porque crédito fiscal sem liquidez não melhora o resultado. E, principalmente (e mais gravemente), as vendas a prazo com o split payment precisam ser repensadas.
A localização das operações e a arquitetura societária também merecem reavaliação. Com a regra do destino e o esvaziamento de benefícios baseados no local do estabelecimento, a escolha de onde operar passa a depender mais de logística, proximidade do cliente e disponibilidade de mão de obra do que de diferencial tributário. Estruturas com múltiplos CNPJs, criadas para capturar regimes ou tratamentos distintos, podem perder racionalidade diante do custo de conformidade, do rateio de créditos e da necessidade de controles internos mais rígidos.
Em paralelo, vale uma nota sobre segurança jurídica: a experiência brasileira mostra que o Estado nem sempre aplica com simetria os critérios de forma e substância que exige dos contribuintes, e isso exige planejamento conservador, transparente e bem documentado (aqui recomendo a leitura do artigo de Sergio André Rocha “Planejamento Tributário Abusivo Estatal: o Caso do Brasil”). Estruturas artificiais, dissociadas da realidade operacional, tendem a fracassar na primeira mudança interpretativa; alinhar contratos, operações e documentação ao que de fato acontece no negócio é a melhor defesa, inclusive em um ambiente regulatório em evolução.
O planejamento tributário que a LC 214 torna indispensável é menos um exercício de criatividade e mais uma prática de gestão contínua. Ele conecta a escolha do regime contábil ao desenho da cadeia de suprimentos, vincula contratos e política comercial à apropriação de créditos e transforma tecnologia e governança em condições para que a não cumulatividade se converta em margem, e não em risco.

Marília Tófollis,
advogada tributarista, sócia e COO do BNT Advogados.