Eu me conheço menos que os algoritmos de redes sociais me conhecem. É que os pontos sensíveis do comportamento humano – o meu, no caso – estão ali escancarados, dizendo de suas incompletudes e trazendo pílulas de soluções em segundos ou curtos trechos de soluções. Algo como nanolivros, milionésimos de segundos de sabedoria – uma paródia com ‘minutos de sabedoria’, para explicar a piada.
É onde bebemos uma bica (não é bem uma fonte) de informações que jorra direcionada, mas nos conduzindo num pasto vasto de sempre capim verde (nossas dores ou necessidades). Onde queremos andar, onde nossa endorfina bate no pico analgésico máximo.
Somos como cracudos limpos e suaves, que recebem recompensa cerebrais em uma cachoeira de dopamina – um choque maciço e ininterrupto que nos gruda no post, no feed, nos stories, no status (…) não tem palavra em português neste glossário do vício – nosso crack é chique. Aliás, diria o professor Carlos André, chique vendo estrangeirismo também, só que do francês chic (elegante ou de estilo). Na varredura que fiz, mesmo o chic francês pode ter sido importado (e foi mudando o jeito de escrever e entrando países afora) do alemão medieval ‘schikken’ ou ‘shick’, que seria algo como arranjar, preparar ou ordenar adequadamente.
Aliás, o editorial anexa outra contribuição do professor Carlos André, nosso colunista, que nesta edição, seguindo sua admirável qualidade textual, apresenta um imperdível artigo sobre a coachização dos negócios e o desprezo pelo conhecimento. (Um parênteses rápido aqui: ler a Leitura Estratégica é algo fora do algoritmo, para os que pensam e decidem, com textos que nos fazem pensar).
Coach. Outra palavra estrangeira que, refletindo, apresenta um cenário tenebroso: se seguir assim, em algumas décadas, vamos matar o português e vamos atualizar um inglês tupiniquim, reinventando um inglês brasileiro. Estamos a ‘coachinizar’ nosso dia. O algoritmo das redes nos dá um médico falante de todos as dores. Se você tem dor no calcanhar de Aquiles ou na gordura corporal, aparece a intervalos contados um médico ou pseudomédico me ensinando tomar o chá do emagrecimento ou exercício para curar meu calcanhar. E assim é, gosta-se de unha podre, porrada de MMA, rock ou batida de caminhão, é só passar a assistir alguns segundos e começa a fazer parte do algoritmo daquele tema.
Sem perceber claramente, estamos dopados – vem de dopamina. Somos cracudos inadvertidos de big techs (dá-lhe estrangeirismos). Compramos ali, rimos ali, namora-se e até joga-se dinheiro fora, nos links dos tigrinhos que chegam na tela. Terceirizamos nossa atenção a coachs desconhecidos que, hoje, formam a fileira da frente dos novos ricos.
Uma parcela gorda da nossa geração se foi nessa onda – perdeu o senso de decisão e controle, de pesquisa e de estudo. Ler livros? Não, os coachs nos entregam tudo resumido, no carrossel mágico do Instagram. Ver filmes? Não, demora. Um livro demora dias, um filme, horas. A dopamina do feed vem em segundos, cruza as células nervosas do cérebro, traz prazer e motivação, recompensas seletivas e coachs valiosos (gratuitos).
Essa overdose de dopamina prende o “cliente” (ou mesmo a abstinência), pode trazer pesados problemas sociais – quando não psíquicos. Só lembrar que a baixa ou excesso de dopamina são possíveis responsáveis diretos por depressão, esquizofrenia e bipolaridade. Mais tarde eu vou pensar nesse assunto, vou arquivar aqui.
Leandro Resende,
editor-chefe
Linkedin: leresende














