Por Izabella Pavetits
Enquanto as possibilidades de compra aumentam, a jornada do cliente ganha contornos multifatoriais e não lineares. Entender o comportamento e conquistar esse novo consumidor não são tarefas fáceis. Para as empresas, a loja on-line já não é um diferencial, é uma obrigação. Em um mercado tão competitivo quanto o comércio, como agir para que o negócio prospere frente a esta realidade?
Atualmente, 78,9% dos consumidores transitam entre virtual e físico, conforme apontou uma pesquisa de 2024, realizada por meio de parceria entre a Wake e a Opinion Box. O dado destaca a importância da presença em ambos canais e da integração entre todos os pontos de contato com o cliente. “Essa transformação é crucial para atender às expectativas e garantir uma experiência de compra mais fluida e sem fricções na jornada de compra”, atesta o estudo.
Essa movimentação entre as formas de consumo ressalta que há possibilidades, mas mostra a necessidade de estratégias para manter os consumidores antigos, conquistar novos e fidelizá-los. Ao reunir tendências encontradas em estudos dos últimos 15 anos, um levantamento da PwC do ano passado não deixou margem para dúvidas: os consumidores estão priorizando a segurança e a confiabilidade das marcas.
“Neste mundo impulsionado pelas novas tecnologias, precisamos entender como os ecossistemas estão se adaptando para atender às necessidades dos clientes e gerar valor, considerando as particularidades do contexto local e de mercado”, ressaltou, na publicação, a sócia da PwC, Luciana Medeiros.
O desafio adquire aspectos adicionais ao considerar que as pessoas chegaram primeiro ao mundo das compras digitais que a maioria das empresas brasileiras, o que abriu espaço para as estrangeiras. Um levantamento divulgado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) no último mês de maio revelou o domínio crescente dos e-commerces asiáticos dentro do mercado brasileiro: 50% dos maiores players em atuação no País vieram de lá.
Segundo o especialista em estratégia digital e experiência do cliente Carlos Monteiro, as empresas locais que não se adaptarem podem perder relevância e acabarem engolidas por marketplaces e players estrangeiros. “O consumidor já está acostumado a experiências rápidas, intuitivas e baratas. Quem não oferecer o mínimo esperado em usabilidade, atendimento e eficiência simplesmente deixará de ser opção”, prevê.

Para Monteiro, ainda há tempo de correr atrás do prejuízo, entretanto, é preciso agir rápido. As companhias nacionais, opina o estrategista, demoraram a entender que o digital não é apenas um “canal extra”, e sim o centro da relação com o consumidor. “O atraso pode ser compensado com foco em diferenciação: enquanto as estrangeiras competem por escala e preço, as empresas locais podem competir pela proximidade cultural, atendimento humanizado e logística eficiente”, explica.
O especialista completa: “O futuro pode ser de irrelevância digital, mas, para quem se adapta, há espaço para crescer — principalmente usando a força do regional e da confiança local como diferencial competitivo.”
Experiência, sucesso e fidelização
Uma possível resposta para esse enigma passa pela descoberta também apontada por mais de uma pesquisa de mercado. No Brasil, 89% dos consumidores consideram a experiência como um fator importante no momento de sua decisão de compra, evidenciou a PwC. O potencial positivo, entretanto, está acompanhado de um negativo. Em março deste ano, uma análise da Neogrid em parceria com a Opinion Box indicou que cerca de 80% dos consumidores brasileiros já desistiram de uma compra após enfrentarem problemas com o atendimento.
Nesse contexto, afirma o instrutor da Escola de Negócios da Câmara de Dirigentes Lojistas de Goiânia (CDL Goiânia) Rilke Machado, investir em “customer success” (sucesso do cliente) e “customer experience” (experiência do cliente) é um diferencial para que as empresas construam relacionamentos duradouros na era digital.

O professor detalha que o customer experience trata da jornada do cliente com a marca, de ponta a ponta. É sobre a maneira como se estabelecem os pontos de contato com a empresa. Começa no primeiro encontro, seja dentro ou fora da internet, passa pela consolidação da compra e alcança o pós-venda. É o conjunto de percepções do consumidor durante todo o processo de aquisição do produto ou serviço.
Já o customer success corresponde aos esforços intencionais da companhia, a partir do término da venda, para garantir que o cliente esteja satisfeito, recompre e indique, prossegue Machado. “É um acompanhamento intenso e constante, que trabalha também de forma preventiva. A criação desse relacionamento faz com que as demandas de insatisfação sejam corrigidas antes mesmo de chegarem”, observa.
Segundo ele, falar dos conceitos pode até ser fácil, mas aplicá-los é um processo complexo e que começa de dentro para fora. Isto é, com propósito, fit cultural e as habilidades internas alinhados, o cliente se torna o centro não só do discurso, mas das estratégias de permanência e desenvolvimento da empresa. O instrutor da CDL Goiânia avalia que investir na jornada e no relacionamento com o cliente é benéfico para qualquer empresa, especialmente para as locais. Machado justifica: “Ter esses passos bem definidos é um avanço em termos de competitividade, porque se agrega valor à experiência e isso tudo contribui para fidelizar o cliente.”
Monteiro faz coro à percepção e defende que o sucesso e a experiência são complementares. “Quando combinados, eles criam um ciclo positivo: a experiência gera encantamento, o sucesso gera fidelização. Num mercado tão competitivo, conquistar um cliente uma vez é caro — o segredo está em mantê-lo ativo e satisfeito”, arremata.
A força do local
Na perspectiva do instrutor da CDL Goiânia, as empresas goianas têm se desenvolvido em termos da percepção do valor de diferenciais competitivos. “Sempre houve uma comparação entre o mercado daqui e o de São Paulo, por exemplo, e percebemos de maneira clara o quanto as marcas goianas vêm amadurecendo frente a esses players”, considera.
Pioneiro em Goiás no seu segmento, o Grupo Óticas Brasil está no mercado há 61 anos. O coordenador de franquias da marca, Eberth Motta Junior, afirma que a motivação por trás do negócio é um dos segredos de sua longevidade. “Muito antes de surgirem termos como customer success e customer experience, práticas similares já faziam parte do nosso DNA”, conta. No livro publicado pelo fundador da ótica há mais de 40 anos, menciona, já estava descrito como deveria ser a experiência dentro da loja.

O coordenador detalha que a estratégia do grupo para manter, conquistar e fidelizar as pessoas pode ser resumida em três pilares: treinamento constante dos colaboradores; garantia de adaptação do produto após a venda, a fim consolidar o customer success, e o encantamento aliado ao relacionamento regular com o consumidor. “A minha favorita é o ajuste gratuito de óculos. Incentivamos que as pessoas passem na loja sempre que precisarem ajustar seus óculos, sem qualquer custo. Esse gesto simples cria proximidade e confiança, além de gerar oportunidades para novas interações”, diz.
Motta Junior lembra que o ramo das óticas tem características complexas, porque está relacionado à saúde. A escolha correta das lentes envolve fatores como o tipo de armação e os hábitos de uso, então, diz o coordenador, o grupo busca incentivar que o consumidor vá até a loja, onde terá acesso a um atendimento personalizado e seguro. “Para nós, isso não é um custo, é parte do nosso propósito”, atesta.
Como consequência, Motta Junior afirma que levar a experiência de loja para o ambiente on-line é um desafio estratégico, especialmente ao considerar que a venda de lentes de grau é o negócio principal da Óticas Brasil. Atualmente, o site oferta apenas óculos solares e armações. “Dedicar um tempo para cuidar da visão não é apenas uma compra, é um investimento na qualidade de vida. Esse nosso posicionamento ajuda a criar uma conexão emocional, mesmo quando o primeiro contato acontece digitalmente”, avalia.
A Flávio’s Calçados, goiana com 46 anos de história, classifica a sua proximidade ao consumidor como um de seus diferenciais. A gerente de Marketing da marca, Ludmila André, afirma que manter essa característica em um mundo cada vez mais digital representa um desafio. Para ela, a tecnologia deve ser uma ponte para o relacionamento, não uma barreira. Por isso, a Flávio’s tem investido em omnicanalidade (integração entre as operações presencial e on-line).

“A chave é levar a experiência personalizada da loja física para o digital, garantindo que o cliente se sinta visto e valorizado, não importa o canal que escolha para interagir conosco. A proximidade se traduz em escuta ativa e respostas que realmente importam para o nosso público”, considera a gerente. Assim, desenvolve ela, o varejo tradicional segue como o espaço de acolhimento e personalização conforme a realidade local e, no digital, a Flávio’s usa ferramentas tecnológicas para personalizar a comunicação, entender as preferências de cada cliente e oferecer soluções relevantes.
André conta que o sucesso da experiência e a fidelização do cliente na Flávio’s são baseados em um ciclo que combina oferta de produtos, atendimento e conveniência. A estratégia começa com um mix de produtos variado e atualizado, complementado pelo serviço de equipes capacitadas para interações com conhecimento do produto e foco na solução. A facilidade de pagamento com o cartão Flávio’s também é um pilar, porque remove barreiras de acesso.
A empresa goiana utiliza inteligência digital para personalizar a experiência, com base em dados para ofertas e comunicações. Programas de fidelidade, eventos regionais e ações de marketing reforçam a conexão com o público. “Em resumo, a Flávio’s busca não apenas vender calçados, mas construir relacionamentos duradouros, baseados em confiança, conveniência e uma experiência de compra que encanta em cada ponto de contato.”
Para os negócios locais interessados em aliar a experiência física com a conquista da era do digital, fica o conselho de Carlos Monteiro: “O consumidor brasileiro valoriza empresas que falam a sua língua, entendem suas dores e oferecem experiências de compra mais personalizadas.”