Em meio às recorrentes crises fiscais, a proposta de tributar lucros e dividendos volta ao debate público, apresentada como medida de justiça social. O argumento central é simples: enquanto trabalhadores sofrem descontos expressivos em seus salários, acionistas receberiam proventos isentos. À primeira vista, a narrativa soa convincente, mas a realidade econômica é bem mais complexa e exige cautela.
No Brasil, os lucros distribuídos não surgem sem ônus. Antes de chegarem ao acionista, já foram submetidos a uma das cargas tributárias corporativas mais altas do mundo. A soma do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) pode alcançar 34%. Ignorar essa tributação prévia transforma o discurso de justiça fiscal em simples estratégia arrecadatória.
O debate internacional não gira em torno de tributar ou não tributar dividendos, mas sim de como fazê-lo. Países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em sua maioria, adotam mecanismos de integração que evitam a bitributação. Nos Estados Unidos, a alíquota varia, mas o investidor pode compensar parte do imposto já pago pela empresa. Na Alemanha, apenas metade do dividendo integra a base do imposto de renda do acionista. O Chile permite o aproveitamento integral do crédito de imposto corporativo. Em todos esses casos há uma lógica clara: reconhecer que o lucro já foi onerado na fonte.
O modelo que se ventila no Brasil ignora essa lógica. Tributar dividendos sem reduzir a carga sobre as empresas criaria uma sobreposição perversa, capaz de elevar a carga total a mais de 50%. O investidor se veria diante de um dilema: aceitar financiar o Estado em duplicidade ou deslocar recursos para jurisdições mais competitivas. O efeito previsível seria aumento da evasão por meio de planejamentos artificiais, desestímulo à capitalização via mercado de ações e, em última análise, fuga de capitais.
O argumento da equidade, de que rendimentos do capital e do trabalho devem ser tratados de forma semelhante, é legítimo. Mas ele só se sustenta se a tributação de dividendos fizer parte de uma reforma mais ampla, que inclua a redução de IRPJ e CSLL e a integração entre empresa e sócio. Isoladamente, a medida seria uma ilusão: a bitributação explícita não promoveria justiça social, apenas elevaria o custo de investir e empreender, com impactos negativos sobre emprego e crescimento econômico.
O Brasil precisa discutir o tema com maturidade, sem transformar dividendos em vilões fáceis. O desafio não é arrecadar mais, mas desenhar um sistema tributário que equilibre justiça, simplicidade e competitividade. A tributação de dividendos pode ser parte da solução, desde que venha acompanhada da contrapartida indispensável de aliviar o peso que já recai sobre a produção. Sem isso, corremos o risco de trocar um problema por outro e de afastar o capital que deveria impulsionar o nosso desenvolvimento.

Dênerson Rosa,
Advogado, fundador da Sociedade de Advogados Dênerson Rosa, mais de 20 anos de atuação em Direito Tributário e Empresarial.