Enquanto o mercado financeiro privado se recusa a financiar o Brasil real, o BNDES mostra que desenvolvimento e rentabilidade podem andar juntos — e isso incomoda.
Há algumas semanas o BNDES anunciou o segundo maior lucro entre todos os bancos brasileiros e uma pergunta precisa ser feita: por que o sucesso de um banco público incomoda tanto?
Desde os anos 2000, o BNDES foi alvo de uma campanha sistemática de deslegitimação. Chamaram-no de “caixa-preta”, acusaram-no de fazer política com dinheiro barato, e tentaram reduzir sua atuação ao mínimo. Mas os dados mostram outra história. A taxa de investimento no Brasil tem forte correlação com os desembolsos do BNDES. Quando o banco recua, o investimento produtivo também recua. E com ele, o crescimento do país.
O mercado financeiro privado, por sua vez, nunca demonstrou interesse em financiar o Brasil real. Prefere operações curtas, indexadas ao CDI, com rentabilidade alta e risco baixo. É o famoso “dinheiro fácil” — alimentado por uma das maiores taxas de juros reais do mundo. Quando o BNDES entra em cena com crédito de longo prazo, taxas travadas e foco em infraestrutura, o setor privado reage. E não com concorrência, mas com ideologia: recorre ao discurso neoliberal de que o Estado não deve competir com a iniciativa privada.
Mas compete mesmo? O artigo publicado na Revista de Economia Política (vol. 45, nº 2, 2025) desmonta essa tese. Os autores, (Barbosa, Ricardo; Torres, Ernani; Martins Norberto, Montani; Magalhães, Leticia; Pereira, Thiago e Libera Victor 2025), demostraram que a maioria das empresas que deixaram de captar recursos no BNDES — especialmente micro, pequenas e médias (MPMEs)— não conseguiu acessar o mercado de capitais. Entre 2012 e 2022, 222 mil MPMEs deixaram de obter crédito no banco, enquanto o mercado de capitais cresceu em apenas 724 emissores. Não houve substituição. Houve exclusão.
Mais grave ainda é que boa parte da expansão do mercado de capitais se deu com incentivos fiscais — isenções de IR e IOF para debêntures incentivadas, CRIs e CRAs — sem qualquer sistema de avaliação de impacto. Enquanto isso, o BNDES é reconhecido internacionalmente por seu sistema de monitoramento e avaliação, com indicadores ex ante e ex post. O mercado privado, por outro lado, cria estruturas artificiais para extrair subsídios sem mérito econômico — como as “CRA-debêntures”, denunciadas no artigo.
O que está em jogo, portanto, não é apenas uma disputa entre fontes de financiamento. É uma disputa de modelos. De um lado, o modelo rentista, que prioriza o lucro imediato, a concentração de crédito e a especulação. De outro, o modelo desenvolvimentista, que busca ampliar a capacidade produtiva, reduzir desigualdades e sustentar o crescimento de longo prazo.
O sucesso do BNDES incomoda porque revela que o Estado pode — e deve — atuar nos casos em que o mercado falha. E mais: pode fazer isso com eficiência, transparência e impacto. O lucro recorde do banco em 2025 não é um desvio de função. É a prova de que desenvolvimento e rentabilidade não são incompatíveis — desde que o lucro seja meio, e não fim.
O mercado financeiro não quer concorrência. Quer monopólio sobre o crédito, sobre o discurso e sobre os rumos da economia. Quando o BNDES demostra que é possível fazer diferente — e melhor — a reação é ideológica. Mas o Brasil não precisa de dogmas. Precisa de investimento, infraestrutura, inovação e inclusão produtiva.
A pergunta que fica é simples e urgente: queremos uma economia que cresça ou um sistema financeiro que lucre?

Marcos Freitas,
Doutorando em Turismo, Mestre em Finanças, economista e sócio-fundador da AM Investimentos.