O brasileiro ainda sofre de uma espécie de síndrome do vira-latas: qualquer crítica estrangeira vira verdade absoluta. Mal o presidente Donald Trump classificou o Pix como “prática desleal” contra empresas dos EUA, parte da opinião pública passou a duvidar da segurança e da privacidade do sistema. O comentário, sem respaldo sequer em argumentos de concorrência, tornou-se combustível perfeito para a desinformação.
Entre os boatos mais nocivos está o de que “o Pix será proibido”. Para milhões de pessoas recém-bancarizadas, isso significaria voltar à marginalização financeira. Profissionais autônomos — de diaristas a ambulantes — perderiam a forma mais simples de receber pagamentos. Caso a modernização retrocedesse e as fintechs fossem sufocadas, os velhos oligopólios voltariam a dominar.
Convém ser claro: os Estados Unidos não terão acesso às transações do Pix nem dispõem de instrumentos para suspendê-lo. As notícias falsas que circulam ignoram o impacto do medo sobre justamente quem mais se beneficiou da inclusão digital promovida pelo Banco Central.
A aversão de Trump a inovações não é nova. Em janeiro, ele mandou o Fed congelar o desenvolvimento do “dólar digital”, a moeda de banco central (CBDC — uma espécie de “bitcoin estatal”), alegando riscos à privacidade. Enquanto o Fed recuou, o Banco Central do Brasil seguiu pesquisando. Diante da compreensão dos riscos envolvidos, entende-se que as pesquisas devem prosseguir. O Brasil, assim como diversos outros países, busca desenvolver técnicas para implementar moedas digitais lastreadas, visando aprimorar a segurança monetária e promover a inovação, evitando a obsolescência. A interrupção dessas pesquisas, como ocorreu nos Estados Unidos sob a administração Trump, tende a preservar interesses de setores alinhados ao status quo.
Sob Trump, os EUA bloquearam a criação de uma CBDC por temer que o governo pudesse monitorar ou limitar transações privadas. Nesse vácuo, criptomoedas como o Bitcoin ganharam terreno. Ainda assim, qualquer medida de retaliação comercial — tarifas ou barreiras às exportações — não alcança a infraestrutura do Pix. A regulação do sistema financeiro brasileiro é soberana. Na prática, pressões externas só reforçam a necessidade de soluções tecnológicas nacionais, reduzindo dependências e fortalecendo nossa posição na mesa de negociação internacional.
Portanto, a discussão não é sobre segurança do Pix, e sim sobre interesses econômicos. Trump não age em defesa da inovação nem da liberdade; age para proteger setores específicos. Reconhecer esse jogo de forças é o primeiro passo para não cairmos, outra vez, na velha síndrome de vira-latas. O resto é história.

Rafael Maciel,
sócio da Rodovalho Advogados.