Não há um dia sem que a política avance o sinal e colida – muitas vezes mortalmente – com outra área. Sempre em alta velocidade, sem cinto de segurança e sem CNH, a política, que insiste em exigir o protagonismo, atropela protocolos e tenta reconstruir a verdade com a óptica enviesada da sua ideologia – seja ela qual for.
Não tem um minuto de todos os dias que a política aceite ser coadjuvante. Onde há dois ou três reunidos, ela quer a atenção. E não é algo restrito à partido A ou B, ao mandato C ou D, ou ao país E ou F. Não é preciso rodar o alfabeto inteiro para perceber que a doença maligna da ingerência da política na vida das pessoas é ampla, geral e irrestrita.
Nesta semana, o Donald (não o pato Donald, mas o Trump) deu uma trucada na mesa que parecia ter todas as cartas na mão, do zap às bofeiras. Subiu no tamborete e parou o trânsito – parecia um fiscal da SMT (agora chama SET) no engarrafamento, com um apito na boca e mudando o trânsito da cidade no grito. Em pouco mais de uma página, carimbada com a chancela do governo dos EUA, gritou regras para a economia brasileira, julgou a Justiça verde e amarela e legislou, sem mandato, sobre o Congresso. Quis que o Brasil piasse fino. (Um aparte: que frase, né? O português tem cada uma).
Não deu outra, a semana iniciou um palanque infinito, com a economia, novamente, ficando em segundo plano. Parecia Copa do Mundo – todo mundo se envolvendo. Se essa novela durar mais alguns dias (e vai, claro), vão pintar rua e colocar bandeirolas. Para dar contexto, o Brasil subiu também no outro tamborete, e agora esquece, quem gritar mais alto ganha – tenha ou não carta, é hora da grita.
E, sem dar margem alguma (zero chance) para o debate interminável de preferência (altamente desnecessário), mas é precisa um parágrafo ilustrativo – um fato do pato. Como é irônico que a direita brasileira conseguiu o que todos marketeiros da esquerda falharam: Deram discurso, roupa e trilha sonora ao governo, além de lhes devolver a bandeira do Brasil e a amarelinha. Tocou o trompete (como se faz toda manha no Exército) para chamar a tropa toda para aderir a um patriotismo (new patriot) de defesa do País contra um inimigo maior, um invasor, o pato Donald gringo. Convocaram a nação para uma guerra e arriaram o cavalo branco para o presidente Lula cavalgar rumo a uma popularidade perdida e distante.
Foi uma barbeiragem nunca vista na história deste País, ato quase ressuscitador. É um Sermão da Montanha invertido: tudo que falar tem efeito contrário porque é a versão do opressor. Ele não tem o poder aqui e jamais terá a torcida a favor. Onde ele bater, nascerá uma vítima.
O Donald norte-americano deu uma trapalhada dos piores dias do Donald brasileiro (apesar de parecer gringo, o pato é brasileiro – criação dos irmãos Civita, oh, saudade de suas revistas – e irmão-parça do Zé Carioca). Na IA, fala que o Donald brasileiro é: “O Pato Donald é conhecido por seu temperamento explosivo e impaciente, muitas vezes irritado e frustrado, mas também é leal, amoroso e protetor, especialmente com sua família. Ele é frequentemente retratado como um anti-herói azarado, mas suas falhas e reações exageradas o tornam um personagem cativante e engraçado.”
Caramba… O nosso Donald é bonzinho, carismático e muito melhor que o Donald deles.
A mesma IA fala que o pato deles é: autoconfiante, narcisista, controverso, impulsivo, competitivo, conflituante, isolado, desconfiado (…).
Nosso pato é melhor, hein.
Tá vendo, falei, falei, falei e esqueci da economia. Esse é o poder da política.
Leandro Resende – editor-chefe da Revista Leitura Estratégica
Linkedin: leresende