Entrevistando o economista Delfim Netto certa vez, acho que era ano 2000, ele me disse que errou na condução da reforma tributária, a anterior (anos 1960), quando era ministro da Fazenda dos militares. Ele me disse que copiara o modelo francês, então moderno, mas deu ruim anos depois. O Brasil é federativo com legislações estaduais e a França, não. Já em meados dos anos 1970 e 1980 o erro ficou claro – um estímulo aos Estados a adotarem ICMS mais baixo para atrair empresas. Ele admitiu, deu de ombros e seguiu no corredor.
O ministro atual, Haddad, está em contagem regressiva para reconhecer o erro, lá em meados dos anos 2030, questão de tempo. Essa nova reforma, que revisou a reforma do Delfim, demorou exatos 60 anos para ocorrer. Quase uma vida. E ainda está só no começo, pois levará anos para ser implementada. Mas, sobre isso, falaremos outro dia.
Vamos pegar uma fatia mínima iniciada desta reformulação. Um dos primeiros capítulos deste calendário, uma nova obrigação de adequação das prefeituras à implantação do modelo nacional da Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e).
Neste padrão unificado, o novo formato substitui a plataforma municipal para emitir notas, gratuita, por empresas terceirizadas de tecnologia – que vão cobrar do empresário uma nova taxinha mensal.
O contribuinte vai pagar para pagar imposto. Péssimo, mas não é o pior. Agora o ordinário formato terá empresas fazendo o papel que antes era dos governos.
O tal do sigilo fiscal é assegurado pela Constituição Federal, que estabelece a inviolabilidade da intimidade e da privacidade dos cidadãos. Esse segredo fiscal é a proteção às informações prestadas pelos contribuintes. Eu mal confio no governo e agora vou ter de confiar em um não-governo – um estranho.
Quem me garante que o sub-sub-sub-auxiliaQuem me garante que o sub-sub-sub-auxiliar, que ganha um salário mínimo, não vai usar a senha do chefe da Gerência de TI para subir um pacotão de dados nas nuvens e, na madrugada, não vá baixar, empacotar e vender na dark web ou em um pen-drive na Praça da Sé? Ferrou.
Agora o coroinha, que vai anotar os dados da confissão e levar ao padre, vai ser um fiscal do tipo “seja o que Deus quiser”. O caso recente das empresas de intermediação financeira das fintechs é um exemplo rápido de como se pode vazar dados e prejudicar o sistema.
Dados sensíveis das empresas vão rodar por mãos estranhas até chegar ao Fisco. Sambou em cima da LGPD..
Optou-se por sucatear um modelo seguro já implantado – que poderia ser melhorado com tecnologia de governo – para se criar um servico terceirizado bilionário que vai ter em suas mãos a emissão se notas fiscais no Brasil.
Para o País que criou o sistema do PIX, criar ou ajustar um sistema unificado de nota fiscal seria um tapa. Mas outros interesses falaram alto no Congresso e optou por terceirizar o sigilo fiscal. Esse é o Brasil juvenil, de parlamentares bisonhos que fazem contas nos dedos na era da Inteligência Artificial. E capaz que ainda erra.
Tem muita água (ou lama) para passar debaixo da ponte, mas se a reforma der errado e seguir o padrão Delfim, em 2085 a gente reforma de novo e corrige.
Leandro Resende,
editor-chefe
Linkedin: leresende














