Por Rafael Vaz
Aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com alguns vetos, a regulamentação da Reforma Tributária segue gerando incertezas e preocupações, principalmente entre os Estados emergentes, como Goiás. Especialistas e representantes do setor produtivo veem riscos para a autonomia fiscal, para a arrecadação e uma possível desindustrialização de Estados emergentes.
A nova legislação, definida na Lei Complementar 214/25, regulamenta o novo modelo de tributação que substituirá diversos tributos estaduais, municipais e federais, como ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins. Com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o sistema passa a adotar o modelo do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que unifica tributos e altera profundamente a lógica de arrecadação, que passa a ser feita no consumo e não mais na produção.

Para o advogado tributarista Flávio Rodovalho, a mudança representa um desafio significativo para Estados como Goiás. “A reforma tributária para Estados emergentes como Goiás traz muitos impactos, principalmente a questão do IBS ser cobrado no destino e não na origem como é hoje. Estados com mais população e mais renda acabam sendo beneficiados. Minas Gerais, com alta população, e o Distrito Federal, com alta renda, são exemplos disso”, alerta. Ele ainda aponta a insegurança sobre as futuras receitas. “Não sabemos como será a alíquota. A falta de planejamento sobre como será tudo isso no futuro também é preocupante. O Estado não sabe se pode fazer suas políticas de desenvolvimento”.
Rodovalho também destaca a urgência de ação por parte dos Estados. “Todos nós, seja no setor produtivo, no poder público, estamos atrasados porque a reforma já está aqui. Goiás, por exemplo, precisa ser exemplo de bom ambiente para negócios. Ter celeridade e menos burocracia, visão favorável ao empreendedor e investimentos em infraestrutura, principalmente energética. Goiás tem evoluído, mas precisa ser mais ágil em dois pontos em especial: licenciamento ambiental e visão pró-desenvolvimentista, conservando a sustentabilidade.”

A principal crítica da classe empresarial goiana diz respeito à perda da autonomia fiscal. O diretor da Associação Comercial, Industrial e de Serviços do Estado de Goiás (Acieg), Dênerson Dias Rosa, é taxativo: “A reforma tributária é completamente negativa para os Estados emergentes. O próprio governador de Goiás, Ronaldo Caiado, entendeu isso e trabalhou para evitar a aprovação. Estados emergentes sempre usaram incentivos fiscais para atrair empresas e a reforma acaba com isso. A reforma estimula a concentração para onde já há desenvolvimento.”
Segundo ele, a incerteza marca o cenário atual. “A situação é muito insólita. A reforma foi aprovada, mas não se sabe ainda como vai ser tudo isso. Não há noção de como será a arrecadação. O cenário é desconhecido. A incerteza gera preocupação para todos. Empresários podem perder muito e os Estados também. Com a reforma, a autonomia dos Estados deixa de existir em vários sentidos, quando se trata da base tributável dos entes subnacionais. Se hoje uma empresa é autuada pelo Estado, sua defesa é no Estado. Com a reforma, tudo isso será centralizado em Brasília”, diz.

O conselheiro fiscal da Acieg, Ivan Carlos de Lima, compartilha das preocupações, mas acredita em uma perspectiva otimista no longo prazo. “Há riscos para os Estados emergentes por causa, principalmente, da centralização da arrecadação no Conselho Federativo, que pode comprometer a autonomia fiscal e orçamentária. No entanto, sou otimista. Vai ser algo trabalhoso e que vai precisar de diversos ajustes, mas tendemos a caminhar para um País menos pesado e com menos burocracia para gerir a arrecadação”, avalia.
Ivan Carlos avalia que a transição pode impactar de maneira relevante a arrecadação estadual. “A substituição dos tributos atuais pelo IBS e pela CBS afeta a arrecadação em Estados como Goiás porque são Estados que concedem muitos benefícios fiscais e vão perder essa autonomia. É possível que haja uma perda na arrecadação. No entanto, o impacto maior é na gestão”.
Ele também vê riscos na transição para as empresas locais. “Existe o risco da carga tributária para empresas goianas durante o período de transição. Não sabemos o tamanho do IVA. O Congresso Nacional também oscila bastante. Mas também existe uma grande oportunidade de que o que não é creditado hoje possa ser creditado”, conclui.
A alíquota média da nova tributação deverá girar em torno de 28%, segundo o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy. A lei estabelece que, caso esse somatório ultrapasse 26,5% em 2031, o Executivo deverá encaminhar proposta para ajustá-lo.
Enquanto isso, Estados como Goiás se preparam para um cenário incerto. Como resume Flávio Rodovalho: “Infelizmente, não dá para saber se há clima. Vamos ter de ver como vai ser na prática. A realidade vai dizer se erramos. É um caminho sem volta. Nosso foco do momento deve ser mãos à obra”, conclui.