Por Rafael Mesquita
A educação é a base de tudo para esse tocantinense de 45 anos de idade. Ela conseguiu transformar a vida do professor Carlos André. Com origem humilde, desde criança ele sabia que a única maneira de conquistar uma ascensão social seria através dos estudos.
Ainda nos anos 1980, em Taguatinga (TO), poucos imaginariam que aquela criança se tornaria a maior referência em língua portuguesa e comunicação jurídica de Goiás. Entre os que acreditaram estava o avô, que era pobre, não era fazendeiro ou político, mas, mesmo assim, foi uma das figuras mais respeitadas da região. O sonho maior era ver um filho ou um neto na faculdade. “Sempre tive uma ligação muito forte com o meu avô. Queria que alguém da família fizesse faculdade de Direito e eu fui o primeiro”, recorda Carlos André.
A percepção de que fé e razão são absolutamente inseparáveis veio da educação dominicana que recebeu. Trata-se de uma visão que valoriza a ciência, originária de São Tomás de Aquino. Para quem teve uma criação sempre muito religiosa, como Carlos André, a ideia se encaixava perfeitamente. Na escola dominicana, uma freira em especial influenciou muito a vida dele: a irmã Noêmia, que também foi sua professora de português.
“Inicialmente eu pensei em fazer medicina. Mas aí, a irmã Noêmia me disse: meu filho, você tem o dom da palavra e isso precisa ser transformado por meio daquilo que é a sua voz, a sua fala. Então, não fuja da palavra”, lembra. Sábio conselho. Estava decidido: faria os cursos de Direito e Letras em Goiânia.
Mas as coisas não seriam tão simples assim. O primeiro obstáculo: as condições financeiras da família. Mas o pai não mediria esforços. “Ele vendeu a única casa que tínhamos para que eu realizasse o meu sonho e foi morar de aluguel”, se emociona. A chegada em Goiânia também foi um impacto na vida do jovem rapaz. A competitividade e o mundo cosmopolita da cidade grande chegaram a assustar. “Eu estava sozinho. Estranhei muito, porque eu não tinha mais meus amigos de sempre. A minha infância havia ficado para trás”, afirma.
A obstinação o fez superar todos esses obstáculos. Carlos André descobriu que, às vezes, as conquistas poderiam demorar a chegar, mas, com persistência, não haveria lugar para o impossível. “Eu costumo dizer que sou imparável, e essa lógica que fez o garoto humilde do interior do Tocantins passar em dois vestibulares e conseguir se formar”, acredita.
A fama de uma das referências em língua portuguesa em Goiás começou com as aulas no Colégio Planeta. Logo, os alunos e colegas de trabalho perceberam que havia ali um diferencial na metodologia de ensino. “Lembro-me que, em dois anos, eu já era um dos professores mais conhecidos em Goiânia em termos de vestibular. Não estava ali apenas para ganhar dinheiro”, afirma.
Mesmo com todo o sucesso no magistério, a vontade de iniciar uma carreira na diplomacia estava presente. Mas por quê? O diplomata trabalha com relações internacionais, diálogos profundos e, principalmente, com a palavra. Isso fascinava Carlos André. Só que a visão empreendedora falou mais alto. “Eu tinha um sonho, desde criança, de ter uma escola e de ser empreendedor. Pensei: eu preciso me voltar para o Direito e o processo educacional. Eu tenho o dom da palavra, vou montar um colégio que contribua para melhorar a comunicação das pessoas”, recorda.
Primeiro, Carlos André chamou um grupo de colegas de diversas áreas, entre elas Medicina, Direito e Engenharia. Uma dessas pessoas era Marina Godoy, que, pouco depois, se tornou sua namorada e futura esposa. Nascia o Colégio TCE, embrião do que seria futuramente o Instituto Carlos André.
Se o lema era sempre persistir, o mau resultado do primeiro empreendimento não o abalaria: em 2001, ele iniciaria, ao lado de Marina, o curso específico para pré-vestibular. As aulas eram ministradas aos domingos à tarde, no Centro de Goiânia.
Logo, Carlos André percebeu que era preciso fazer o empreendimento crescer. Por que não convidar o renomado professor Pasquale Cipro Neto para uma palestra? O idealizador do programa Nossa Língua Portuguesa, na TV Cultura, era admirado há tempos por Carlos André. “Eu pegava todos os livros dele, falava em voz alta o conteúdo e assim memorizava. Chegava a dormir em cima dos livros”, diz.
Para trazer o professor Pasquale seria necessário um grande investimento. Carlos André não teve dúvida: refinanciou o único veículo que tinha, um Fiat Uno, e refinanciou no banco 12 mil reais do veículo. “Pensei: vou fazer a específica crescer com a vinda do Pasquale. Liguei na secretária dele e consegui trazê-lo”, lembra. Quando o professor, referência nacional da língua portuguesa, chegou ao aeroporto de Goiânia, a admiração só aumentou. “Uma pessoa recatada, um gentleman”, elogia.
A palestra aconteceu no Centro de Convenções de Goiânia. Se o público foi de apenas 600 das 1.200 pessoas esperadas, o evento serviu para construir uma boa imagem de divulgação no mercado para o curso de Carlos André. “As escolas, os alunos perceberam que havia algo diferente ali, que éramos empreendedores e não estávamos brincando”, avalia. Da palestra, ainda surgiu uma grande amizade com o mestre Pasquale. “Ele se tornou um pai para mim, um dos meus melhores amigos. Até hoje, quando vem a Goiânia, fica hospedado lá em casa”, orgulha-se.
Com o crescimento, em 2009, o curso de específicas se torna o Instituto Carlos André, inicialmente um pré-vestibular com foco em redação e língua portuguesa. Depois, amplia as atividades para preparatório de concursos e, atualmente, ainda oferece comunicação jurídica, com aulas de texto e sustentação oral para advogados, além de comunicação voltada às empresas. “Eu tenho catalogado aluno por aluno. São 28 mil ao longo da nossa história. Alguns deles, juízes, advogados e empresários. Pessoas que hoje nos olham e pedem a nossa ajuda e contribuição”, afirma.
Atuação jurídica
Naquela mesma palestra em que o convidado foi o professor Pasquale, estava Miguel Cançado, então presidente da OAB-GO. “Ele me olhou e disse: rapaz, você é jurista, advogado, vem para a OAB. Eu chamo isso de convergência de ideias e sinergia”, acredita. Carlos André conta que, quando se tornou membro da diretoria da Ordem dos Advogados do Brasil, foi imediatamente designado representante nacional da entidade no Senado para discutir os tratados internacionais de língua portuguesa.
Carlos André se recorda de que o comportamento visionário da esposa o incentivou a ter uma atuação mais ativa no Direito. “Ela dizia: além de estudioso da língua portuguesa, você é um jurista. Os outros são professores de redação. Nada impede que o seu estudo do Direito esteja ligado ao da língua”, lembra.
As idas ao Senado como representante da OAB o fizeram atentar para o estudo do Direito Legislativo. O professor queria entender como é feita a legislação brasileira, como é escrita. Começou a se aprofundar em legística (estudo da concepção e redação de leis), ciência ainda pouco conhecida no Brasil, mas que existe na Europa desde a década de 70.
O professor destaca que a lei mal escrita pode trazer uma injustiça para uma pessoa. “Essa é a legística, é nisso que eu trabalho. É pegar a lei e falar assim: não está dizendo o que vocês estão querendo dizer”, explica. Carlos André argumenta que toda legislação tem que ter clareza, precisão e ordem lógica. “Então, quando alguém fala que o judiciário legisla, eu digo: mas é claro, se o juiz pega uma lei que não está clara, o que ele tem que fazer? Interpretá-la. E quem interpreta, interpreta do seu jeito. A pessoa pode ser condenada por conta de uma vírgula”, avalia.
A partir desse interesse pelo tema, é criado o Carlos André Advocacia. Trata-se de um escritório especializado em redação de atos normativos. A finalidade é oferecer produção de manuais, assessoria a câmaras municipais, assembleias e a todas as instituições que fazem atos normativos, como leis, portarias e resoluções. “A intenção é dar segurança jurídica ao povo brasileiro através da mistura de língua com direito legislativo. O Instituto Carlos André é a base desse trabalho, porque é a instituição especializada em linguística e em redação”, afirma.
Família e Comunicação com um novo público
O começo do casamento, com o nascimento do primeiro filho, Matheus, não foi fácil. Carlos André trabalhava de manhã e à tarde em um cursinho preparatório para o vestibular e das 22 horas às 4 horas da manhã como atendente de call center.
Apesar de todas as dificuldades, valeu a pena todo o amor e a dedicação à família. “A Marina, meus filhos Matheus e Yasmin e meus pais são as pessoas mais importantes da minha vida”, se emociona. Também se orgulha de ter o que chama de uma “lista telefônica” de bons amigos. “São pessoas que entendem que no meu coração está aquele menino lá do interior do Tocantins que quer melhorar o Brasil por meio da palavra”, explica.
Da facilidade de se comunicar, foi um passo para também estar inserido na mídia. Se tornou comentarista de língua portuguesa na rádio CBN Goiânia e articulista de Língua Portuguesa no jornal O Popular. “É a oportunidade que tenho de falar com um outro público que não é o do Instituto, da minha família ou da OAB. Tenho muito a agradecer ao Grupo Jaime Câmara. Sem esse espaço, talvez não seria tão conhecido como sou hoje”, acredita.
Deixar um legado ao país é o maior sonho do professor Carlos André. Isso incluiria melhorar a educação linguística do Brasil para que as pessoas escrevam e falem melhor.
“Meu sonho sempre foi levar a palavra. Por meio dela, nós mudamos o mundo. Se eu contribuir para que o brasileiro aperfeiçoe o pensamento, a leitura, tenha leis melhores, terei cumprido a minha missão”, avalia. Ainda se permite dizer mais um desejo: “Quem sabe um dia fazer parte de uma academia de letras? Seria algo que me deixaria muito feliz”, conclui.
