Por Rafael Vaz
Um dos movimentos mais expressivos do mercado de trabalho brasileiro nos últimos anos não está nas demissões em massa nem no surgimento de novas profissões, mas no trajeto silencioso – e crescente – de profissionais que deixaram a autonomia para retomar o trabalho formal. A tendência, que havia perdido força durante o auge da pejotização e da busca pela flexibilidade, reaparece agora impulsionada por novas dinâmicas econômicas, transformações culturais e, sobretudo, pela necessidade de segurança.
Embora pesquisas indiquem que boa parte dos brasileiros ainda deseje a independência – como os 59% apontados pelo Datafolha que prefeririam trabalhar por conta própria – um dado ganha protagonismo: 56% dos autônomos que já foram celetistas afirmam que gostariam de voltar ao regime CLT, segundo estudo da Vox Populi em parceria com centrais sindicais e o Dieese. A contradição evidencia um mercado em que a precarização e os baixos salários empurram milhões a conciliar desejo e realidade, liberdade e estabilidade, autonomia e proteção.
Novos caminhos profissionais
A pandemia acelerou o trabalho remoto, impulsionou os aplicativos, estimulou mudanças de carreira e, de forma decisiva, consolidou a sensação de que trabalhar por conta própria era a porta para uma vida mais flexível e rentável. Mas a liberdade que, à primeira vista, parecia sedutora, mostrou seu outro lado: falta de seguridade, oscilação de renda, isolamento e, em muitos casos, exaustão.
O publicitário Delan Salazar, 38 anos, viveu essa curva. Depois de anos em agências, decidiu experimentar outra rotina. Foi assessor de relacionamento, voltou para a comunicação como autônomo, gerenciou criação para empresas e, com três clientes fixos, sustentou uma boa renda. “Ganhava até melhor do que no mercado, mas é algo instável”, relembra.

O que o trouxe de volta não foi um único fator, mas um conjunto deles: demandas familiares, uma questão de saúde da esposa, e sobretudo a percepção de que a autonomia começava a corroer suas fronteiras pessoais. “Minha casa se tornou um escritório. Eu vivia ali 24 horas”, conta.
O retorno ao Grupo Saga, agora como coordenador de criação, trouxe não apenas estabilidade, mas resgatou algo que ele não sabia o quanto lhe fazia falta: convivência. “A troca com pessoas no ambiente corporativo se tornou uma necessidade para mim”, diz.
Delan também observa que esse retorno não é individual – é um movimento. “Vejo as pessoas optando voltar para o escritório. Isso reflete até na moda: marcas lançando coleções executivas. É quase um símbolo de um retorno ao padrão corporativo”, avalia.
Caminho que também vem de cima
Nas posições de liderança, o movimento é ainda mais visível. O executivo Jandson Santos, diretor em uma holding, acompanha de perto a virada. Durante anos, viu o avanço da contratação como pessoa jurídica ocupar cargos médios e altos, com diretores e gerentes aceitando o modelo em troca de remuneração maior. Agora, porém, enxerga o sentido inverso.
“Estou vendo um movimento contrário. Empresas voltaram a contratar líderes como CLT”, destaca. Para ele, os motivos são claros: benefícios robustos, estabilidade e salários competitivos. “O plano de saúde, o vale-alimentação, o vale-transporte… tudo isso tem pesado na decisão. As pessoas estão voltando ao formal em busca de segurança”, acredita.

Jandson avalia ainda que a tendência deve se intensificar, especialmente com os efeitos da reforma tributária. “Muitas funções não farão sentido como autônomas. A formalização tende a ganhar corpo”, ressalta.
O paradoxo da juventude
Se os jovens sonham com a flexibilidade, também enfrentam um mercado de trabalho que oferece pouco mais do que sobrevivência. A pesquisa Randstad mostra que 44% deles priorizam flexibilidade, 37% o desenvolvimento pessoal e apenas 35% citam salário adequado. Em contrapartida, quando o assunto é estabilidade, muitos se veem diante de uma equação difícil: abrir mão da renda variável para garantir previsibilidade.
A escolha, muitas vezes, não é sobre o que se quer, mas sobre o que causa menos dano.
Precarização como pano de fundo
A aparente contradição entre desejar autonomia e querer voltar ao mercado formal explica pelo quadro estrutural do mercado brasileiro: baixa remuneração, alta rotatividade e pouca valorização. Entre os entrevistados na pesquisa das centrais sindicais, 44,5% apontam os salários baixos como maior obstáculo para conquistar um bom emprego, seguidos por exigências excessivas e baixa valorização.
Mesmo com o desemprego em queda e recordes recentes de formalidade, a qualidade do emprego permanece aquém do necessário. Para muitos autônomos, a realidade fora da carteira assinada não trouxe o sonho do empreendedorismo, mas o peso da sobrevivência sem rede de segurança.
O Dieese aponta que boa parte do trabalho por conta própria no Brasil se enquadra no chamado “empreendedorismo de necessidade”: pessoas que deixam a formalidade não por desejo, mas por falta de alternativas. A volta ao trabalho formal, nesse sentido, é menos um retorno ao passado e mais uma busca por proteção mínima: férias, 13º, descanso remunerado, plano de saúde.
É uma forma de pertencer a algo que, por muito tempo, foi tratado como ultrapassado, mas que continua sustentando a vida de milhões.
Vínculo
O que entrevistas, pesquisas e tendências mostram é que a volta ao mercado formal não é uma negação da autonomia, mas uma tentativa de conciliar o que o trabalho contemporâneo fragmentou: propósito, pertencimento, saúde mental e segurança.
Delan resume essa percepção ao refletir sobre o retorno à rotina presencial. “Sempre tive disciplina trabalhando em casa, mas estar com pessoas fez falta”, afirma. Jandson, por sua vez, observa a mesma força coletiva impulsionando líderes e empresas: “A estabilidade tem chamado mais atenção, e a tendência é continuar”, finaliza.













