Por Rafael Vaz
O endividamento das famílias brasileiras atingiu o maior patamar da série histórica iniciada em 2010. Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 79,5% das famílias possuem algum tipo de dívida. A fatia de famílias inadimplentes se manteve em outubro no ápice histórico de 30,5%, já alcançado em setembro. Além disso, houve um recorde de 13,2% das famílias brasileiras afirmando que não terão condições de pagar suas dívidas em atraso, ou seja, que permanecerão inadimplentes.
O cenário preocupa economistas e comerciantes em todo o país. Em Goiás, os efeitos são sentidos diretamente no comportamento de compra e na queda da procura por crédito. De acordo com o gerente de negócios da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Goiânia, Wanderson Lima, o reflexo mais imediato é a retração nas vendas parceladas e no uso do cartão de crédito.

“Claramente, o impacto vem principalmente na busca por crédito. Houve uma queda de 10% a 15% em setembro na procura em todo o Brasil. Automaticamente, já temos a percepção de que as pessoas estão endividadas ou inadimplentes e não conseguem crédito. Isso impacta diretamente as compras a prazo e o uso do cartão de crédito”, explica
A dificuldade em acessar o crédito também muda o comportamento do consumidor. Segundo Wanderson, a maioria dos clientes tem recorrido a pagamentos à vista.
“A maioria das pessoas está preferindo pagar por PIX, porque já não têm mais crédito na praça para utilizar. Nossas pesquisas de intenção de compra mostram claramente isso. As razões são inadimplência e endividamento.”
Dívidas que se acumulam
Os bancos lideram a lista dos principais credores dos brasileiros. Em seguida, aparecem o comércio de serviços e o varejo. Wanderson explica que o impacto é generalizado e afeta qualquer empresa que venda a prazo para pessoas físicas.
“Os bancos são onde as pessoas mais devem. Depois, vêm o comércio de serviços e o varejo. Qualquer empresa que vende a prazo para pessoas físicas está sendo impactada. Algumas empresas concedem crédito a inadimplentes devido à situação financeira difícil. Muitas vezes, as empresas fazem uma análise do cadastro da pessoa porque ela não é pagadora, mas apenas deixou de pagar uma conta, por exemplo”, avalia.
O gerente lembra que, mesmo em um cenário de restrição, é preciso criar caminhos para a recuperação da confiança e do poder de compra.
”Gestão financeira e educação financeira são temas sobre os quais temos falado há muitos anos, mas as pessoas ainda não têm essa cultura. Acabam extrapolando em alguns gastos desnecessários e, assim, se endividam. É preciso oferecer oportunidades para que as pessoas renegociem e dar condições diferenciadas para que consigam sair das dívidas”, declara.
Nesse sentido, a CDL Goiânia mantém uma plataforma própria para renegociação de débitos, a Zera Dívidas, que permite ao consumidor consultar suas pendências e negociar diretamente com empresas credoras.
Governo busca reduzir litígios
Enquanto o comércio tenta reagir à retração do consumo, o governo goiano também aposta na renegociação, mas de outro tipo de dívida. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE-GO) lançou o Quita Goiás, programa de transação tributária que permite a contribuintes negociar débitos com o Estado com até 70% de desconto sobre juros e multas e prazo de até 145 meses para pagamento.
De acordo com o procurador -chefe da Procuradoria Tributária da PGE-GO, Raimundo Diniz, o programa se diferencia dos antigos Refis ao adotar critérios técnicos e sustentáveis.
“O Quita Goiás é um programa permanente voltado à redução da litigiosidade no contencioso fiscal e ao aprimoramento dos meios de recuperação de créditos do Estado. Sua base é a aplicação de uma metodologia de classificação dos créditos, com foco naqueles considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação”, ressalta.
O procurador explica que o objetivo é evitar que empresas solventes usem o benefício apenas para postergar o pagamento de tributos.
“O programa não permite a realização de transações com devedores ativos e solventes que possuam plena capacidade de quitar integralmente seus débitos. Diferentemente dos parcelamentos especiais (como os antigos Refis), que concedem descontos e prazos iguais para todos os contribuintes, independentemente de sua situação econômica ou do grau de recuperabilidade do crédito, a transação fiscal adota critérios técnicos e individualizados.”

A PGE estima que cerca de R$ 20 bilhões em créditos estão aptos à negociação. Mais de 150 grandes contribuintes já manifestaram interesse em aderir, somando R$ 500 milhões em débitos.
“Atualmente, a PGE realiza a análise técnica dos casos para identificar aqueles que efetivamente preenchem os requisitos para a negociação”, destaca Diniz.
Pequenos contribuintes também terão vez
O Quita Goiás não se limita aos grandes devedores. Um segundo edital, previsto para dezembro, contemplará pessoas físicas e micro e pequenas empresas, com condições ainda mais vantajosas.
“Contribuintes com dívidas de até R$ 500 mil serão contemplados no segundo edital, que já está sendo preparado. As condições para pessoas físicas, micro e pequenas empresas serão mais vantajosas, com descontos maiores e prazos de pagamento que podem chegar a 145 meses”, declara o procurador.
Além disso, o programa prevê mecanismos de controle para evitar reincidências: quem descumprir o acordo ficará impedido de firmar nova transação com o Estado por dois anos.
“Enquanto o Refis tem caráter meramente arrecadatório e pode gerar desequilíbrio concorrencial, o Quita Goiás busca uma recuperação sustentável dos créditos e um ambiente tributário mais justo e eficiente”, reforça Raimundo.

O desafio de reequilibrar o consumo
O endividamento recorde é um sintoma de um problema mais profundo: o descompasso entre custo de vida, juros e renda. Com crédito caro e poder de compra limitado, o brasileiro se vê obrigado a repensar prioridades e reduzir gastos.
Para Wanderson Lima, da CDL, esse movimento deve inspirar políticas mais duradouras e educação financeira mais efetiva. “É preciso dar oportunidade para que as pessoas renegociem, mas também aprender com o processo. Só assim o consumidor volta a ter fôlego – e o comércio, esperança”, conclui.













