Por Rafael Vaz
Entre festas sofisticadas, carros importados, condomínios fechados e eventos de alto padrão, uma nova elite goiana tem seu estilo de vida cada vez mais exposto nas redes sociais. Goiânia, em particular, tornou-se palco desse luxo: shows, encontros de empresários do agronegócio e até realities como o “Poderosas do Cerrado”, exibido na Globoplay e GNT, mostram uma cidade onde o glamour parece florescer sem limites. No entanto, essa é apenas a ponta do iceberg econômico de Goiás.
As “poderosas” são Roseli Tavares, herdeira de uma família dona de extensas propriedades rurais em Goiás voltadas à pecuária; a influenciadora digital Layla Monteiro; Thaily Semensato, empresária e CEO de um e-commerce de bebidas que também realiza eventos de degustação sofisticados; Andrea Mota, ex-esposa do falecido cantor sertanejo Leandro, atualmente envolvida no setor de moda; e as irmãs Tana e Cristal Lobo, que atuam na organização de eventos de luxo.
A ascensão de Goiânia já gerou até um padrão estético local que virou brincadeira nas redes sociais: a “arquitetura greco-goiana”, formada por elementos como colunas e frontão de estilo neoclássico (que por sua vez tem como referência a arquitetura greco-romana) e portas enormes, muito maiores do que as convencionais.
A capital goiana concentra algumas das principais marcas de luxo em pontos estratégicos, especialmente no Flamboyant Shopping Center, como Louis Vuitton, Dolce & Gabbana e Cartier, que reforçam o perfil sofisticado do consumo na cidade..
No entanto, a realidade da maioria da população é bem diferente e muitas vezes invisível para as lentes que capturam o luxo. Em Goiás, apenas 10% dos habitantes concentram 36,7% do rendimento domiciliar per capita, enquanto os 20% mais ricos detêm 52,4% da renda. Essa ostentação representa, portanto, apenas uma fração da população, enquanto grande parte dos goianos vive istante desse padrão de consumo.
A renda média estadual é de R$ 3.095,00 e o índice de Gini de 0,462, embora relativamente baixo para os padrões brasileiros, evidencia a elevada desigualdade na distribuição de renda. Esse contraste revela a disparidade entre os bairros mais abastados e os vastos segmentos da população que permanecem à margem do glamour exposto nas redes sociais, mesmo em uma cidade com grande dinamismo econômico.
O economista Paulo Borges Campos Júnior, consultor-chefe da Tarumã Consultoria, reforça: “Se você diminui o número de produtores e essa atividade passa a ser uma atividade que gera muita riqueza, isso tem gerado concentração de renda. Menos produtores, mais renda. Mas outro fenômeno também vem acontecendo com a industrialização, que tenta desconcentrar parte dessa renda”, explica Paulo.
Riqueza concentrada
Paulo lembra que Goiás só começou a se transformar economicamente a partir da incorporação do cerrado nos anos 1970, com a criação da Embrapa e a modernização das práticas agrícolas e pecuárias:
“Até então, Goiás era tido como um estado de pecuária, terras fracas, baratas. Com a Embrapa, o cerrado passa a ser incorporado e toma um novo rumo, um novo risco na economia de Goiás”, relata o economista.
Ele explica que a concentração de terras e produtores ampliou a geração de riqueza. “Você tinha no estado mais de 150 mil produtores de leite, principalmente pequenos. Esses pequenos foram incorporados pelos grandes. Então você tem aumento na produção, porém com menos produtores. O mesmo aconteceu com a soja. A área plantada só vem aumentando, seja própria ou arrendada. Menos produtores, mais renda”, afirma Paulo.
Os incentivos fiscais a partir dos anos 1980 também estimularam a industrialização vinculada ao agronegócio. Segundo Paulo, a indústria melhora salários em relação à média do trabalhador rural, mas não muda o quadro da concentração:
“Você melhora um pouco por conta da industrialização, e piora um pouco por conta dessa concentração de terras. A economia tem bolsões que provocam alterações substanciais em renda e emprego, mas a maior parte da população continua fora desse circuito”, detalha.

Desigualdade e segregação urbana
Além da concentração econômica no agro e na indústria, pesquisas em antropologia urbana realizadas na região – como o estudo “Paisagens Míticas: nos passos de uma antropologia da segregação espacial em Goiânia” – mostram que a forma como as cidades são planejadas e percebidas também reproduz desigualdades sociais, refletindo diferenças de acesso ao espaço, serviços e oportunidades. Bairros valorizados convivem lado a lado com periferias invisíveis, reforçando a distância entre quem consome luxo e a maioria da população.
“Goiás, se você analisar, é a nona maior economia do País, mas nosso índice de concentração de renda ainda é alto. Se a riqueza fosse distribuída melhor, teríamos melhores indicadores de desenvolvimento humano”, observa Paulo.
Segundo o economista, programas sociais e benefícios federais, estaduais e municipais influenciam estatísticas de renda e emprego, mas não alteram a estrutura. “Você tem pessoas que deixam de trabalhar porque recebem benefícios. Isso provoca um incremento na renda daqueles que estão empregados, mas não muda o modelo estrutural do estado”, explica.

Entre dois mundos: interior e capital
Paulo ressalta que o dinamismo econômico de Goiás não se restringe à capital. Municípios do interior, especialmente aqueles com grande produção agrícola ou exploração mineral, concentram renda per capita elevada, enquanto outras regiões permanecem com indicadores baixos:
“Rio Verde, Jataí e Catalão, por exemplo, contam com índices de desenvolvimento econômico muito mais elevados do que o resto do estado e até do País. Mas isso não se replica em 246 municípios, cada um com dinâmicas distintas”, afirma.
Ele também destaca o papel do cooperativismo, que hoje representa mais de 10% do PIB estadual, agregando valor à produção e gerando emprego e renda. “Se você verticaliza a produção – transforma soja em óleo, carne, produtos industrializados – você agrega valor, aumenta salários e empregabilidade. Mas a estrutura agrária não muda: o modelo permanece concentrado”, destaca Paulo.
A economia do luxo e o resto da população
Enquanto alguns usufruem do consumo sofisticado, a maior parte dos goianos está distante desse mercado. Para Paulo, o agronegócio provoca efeito multiplicador: mais gente compra serviços, automóveis e escolas melhores. Mas, ressalta ele, sem essa base, o resto da economia não funcionaria.
“É uma riqueza real, mas concentrada, que não muda a realidade da maior parte da população”, conclui.
Renda que não sustenta o luxo
O rendimento médio em Goiás em 2024 foi de R$ 3.095, mas quando se observa sexo e raça, surge o retrato real do estado:
Mulher preta ou parda: R$ 1.999
Mulher branca: R$ 3.163
Homem preto ou pardo: R$ 2.799
Homem branco: R$ 4.524 (maior renda média do estado)
Empregadores ganham 3x mais
Renda média em 2024:
Empregador: R$ 7.315
Trabalhador sem carteira: R$ 2.455
Mesmo entre empregadores, a maioria está longe do mercado de alto luxo.
Concentração de renda
20% concentram mais da metade da renda
Média per capita: R$ 2.051
Mediana (metade da população): R$ 1.402
Concentração:
10% mais ricos → 36,7% da renda
10% mais pobres → 1,7%
20% mais ricos → 52,4% do total
Desigualdade permanece estrutural.













