Por Rafael Vaz
Em um cenário em que diferentes gerações convivem no mesmo ambiente de trabalho, compreender as mudanças nos vínculos profissionais tornou-se essencial para a construção de culturas organizacionais coerentes e sustentáveis. As transformações sociais e tecnológicas não apenas alteraram a forma como as pessoas trabalham, mas também suas expectativas, propósitos e relacionamentos com o ambiente corporativo. Para as organizações, o desafio é manter a identidade institucional sem ignorar as múltiplas identidades individuais, especialmente diante da entrada da chamada Geração Z no mercado de trabalho.
Formada por pessoas nascidas entre 1995 e 2010, a Geração Z já representa uma parcela significativa da força de trabalho no Brasil. Com eles, surgem novas exigências: autenticidade, escuta ativa, velocidade nas trocas, espaço para pertencimento e posicionamento. Um relatório da PwC Brasil, publicado em fevereiro de 2025, mostra que 61% dos jovens brasileiros esperam que as empresas comuniquem com mais clareza seus valores, metas e estratégias. A mesma pesquisa aponta que a comunicação interna e a cultura organizacional são hoje critérios decisivos para a permanência ou saída de talentos nas organizações.
A cultura está nas decisões
Para Cristina Ferreira Leal, fundadora da NW2 e hoje líder de Estratégia, Cultura e Liderança no Grupo House of Brains, cultura não se define em apresentações de PowerPoint ou vídeos institucionais. “Ela está na forma como as decisões são tomadas, nas crenças compartilhadas e nos vínculos que se constroem. Cultura é vivência. É uma estratégia de longo prazo que se sustenta na coerência”, define.
Segundo ela, uma política de comunicação interna que não reconhece a diversidade de olhares está fadada ao fracasso. “Tratar todos iguais não é sinônimo de justiça. E o vínculo só nasce quando a pessoa se sente respeitada em sua individualidade”, afirma. Para Cristina, a cultura organizacional precisa ser constantemente reavaliada para evitar práticas dissonantes entre discurso e realidade. “Não existe cultura forte com liderança fraca. Os líderes são os principais tradutores do que a empresa diz e do que ela realmente faz. É na atitude deles que mora a coerência ou a contradição”, afirma.
Ela também chama a atenção para o ambiente punitivo que se estabeleceu nas relações de trabalho. “Vivemos uma era de hipervigilância. As pessoas têm medo de errar, de se expressar, de serem mal interpretadas. Isso fragiliza vínculos e empobrece a comunicação. É preciso retomar espaços de diálogo com mais confiança e menos punição”, diz.

Escuta e cuidado
Com mais de cinco mil colaboradores e uma cultura organizacional construída ao longo de sete décadas, o Grupo Piracanjuba tem buscado reforçar ainda mais os vínculos com suas equipes por meio de ações cotidianas de escuta e conexão.
“A gente acredita muito no olhar genuíno das lideranças, na presença e na escuta ativa. É isso que gera conexão”, afirma Edilson Vieira dos Anjos, diretor de Gente e Gestão da companhia. Uma das principais iniciativas nesse sentido é o projeto Leite & Prosa, encontros informais e periódicos entre lideranças e equipes, realizados inclusive nas unidades fabris. “Não é reunião para cobrar meta. É um espaço horizontal de conversa, olho no olho, onde a escuta vem antes da resposta”, explica Edilson.
Outro destaque é o programa Gestor em Campo, que estimula os líderes a estarem presentes nos ambientes operacionais, observando a rotina dos times em campo. “A liderança precisa sair da bolha e entender o cotidiano das pessoas. Só assim conseguimos agir com empatia e tomar decisões mais conectadas com a realidade”, complementa.
A Piracanjuba também investe fortemente em ações de desenvolvimento, bem-estar e reconhecimento, incluindo programas de saúde emocional, planos de carreira e políticas de valorização interna. “Cultura não se decreta. Ela é construída no dia a dia, nas pequenas atitudes, no jeito de dar feedback, de resolver um problema, de acolher uma dúvida”, resume o executivo.

Nova geração, novos pactos
A presença da Geração Z no mercado de trabalho tem provocado reflexões importantes. “Essa geração cresceu com internet, redes sociais e maior consciência social. Não aceitam narrativas prontas nem ambientes incoerentes”, explica Cristina Leal. Segundo ela, esses jovens não rejeitam o trabalho, mas rejeitam as relações verticais e desconectadas. “Eles querem coerência, transparência e respeito. Não basta ter um propósito bonito na parede se ele não é vivido no dia a dia”.
Edilson, da Piracanjuba, concorda: “Antes, as pessoas queriam pertencer à empresa. Hoje, elas querem que a empresa também pertença à vida delas. Isso exige mais escuta, mais flexibilidade e mais verdade.”

A cultura como ativo estratégico: a experiência da Meta
Na Meta Serviços, a cultura organizacional não é pauta apenas do RH. É um dos pilares estratégicos da empresa. Com quase dois mil colaboradores, a Meta lida com um cenário desafiador: manter coesão de valores em ambientes operacionais descentralizados e muitas vezes marcados por realidades sociais adversas.
“Cultura não é marketing. Ela está no jeito como promovemos, desligamos, acolhemos e reconhecemos. Está na maneira como os encarregados conduzem as equipes, no tom das reuniões, nas decisões do dia a dia”, diz o CEO Leo Moreira. Para ele, o compromisso com uma cultura viva se mede nos detalhes. “Se o discurso não chega ao chão da fábrica ou aos canteiros, é só discurso”, resume.
Léo ressalta a importância da escuta ativa, da valorização dos talentos internos e, principalmente, de um compromisso real com a diversidade. O executivo também destaca que a diversidade, para a Meta, não pode ser um tópico de campanha de fim de ano. “Na Meta, não importa raça, sexualidade ou origem: o que importa é reconhecer o talento e o potencial de cada pessoa. Construímos uma cultura que valoriza a diversidade por meio de ações concretas, abrindo espaço para diferentes trajetórias e promovendo inclusão real no dia a dia”, garante.
Diálogo exige presença
A construção de vínculos reais e duradouros exige coragem para dialogar, mesmo diante de um contexto social mais punitivo e vigilante. Para os especialistas, o segredo está em lideranças coerentes, presença cotidiana e escuta ativa. “Cuidar da cultura é cuidar das pessoas”, sintetiza Cristina. Em um tempo em que os vínculos são mais efêmeros, a coerência virou o maior ativo organizacional.
Liderança, cultura e vínculos em tempos difíceis

Leitura Estratégica: Como você enxerga o papel da liderança na construção de vínculos reais nas organizações?
Cristina Leal: A liderança é a principal tradutora da cultura. Não adianta ter valores no papel se os líderes não os vivenciam. São eles que dão o tom das relações e que sustentam, ou rompem, os vínculos com a equipe.
LE: Qual o maior erro que as empresas cometem na comunicação interna hoje?
CL: Acreditar que comunicação é sobre informar. Comunicação interna é relação. Se a empresa não ouve, não acolhe e não está disposta a rever práticas, não adianta ter canais modernos. O ruído continuará existindo.
LE: Como lidar com a hipervigilância e o medo de errar nos ambientes de trabalho?
CL: É preciso reconstruir ambientes de confiança. O erro faz parte do processo. Quando a empresa pune antes de entender, bloqueia a inovação e mata a coragem. Liderar também é proteger espaços de aprendizado.
LE: A cultura organizacional deve ser flexível?
CL: Sim, desde que tenha um eixo claro. Cultura é consistência. É consistência. Precisa se adaptar ao contexto, às pessoas, ao tempo, mas sem perder sua essência. A cultura viva é aquela que respira com quem faz a empresa.