O projeto de lei que institui a tributação sobre dividendos avança no Senado e promete mudar um dos pilares da política tributária brasileira das últimas décadas. Antes de comemorar ou condenar a medida, é preciso enfrentar uma questão essencial: o debate está sendo travado pela metade.
A tributação de dividendos não pode ser analisada de forma isolada. A renda que chega ao acionista ou sócio já foi tributada anteriormente, no âmbito da empresa. No Brasil, a soma do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) resulta em uma alíquota combinada próxima de 34%. Com a proposta de criação de um adicional de 10% sobre os lucros distribuídos, a carga total pode alcançar cerca de 44%, colocando o País entre os mais onerosos do mundo.
A comparação internacional é inevitável. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as 38 maiores economias do planeta e serve como referência global de boas práticas fiscais, adota um modelo mais equilibrado. Nesses países, a tributação sobre lucros empresariais gira em torno de 20%, e a incidência sobre dividendos raramente supera 23%. Mais importante do que as alíquotas é a lógica do sistema. Essas economias aplicam mecanismos de compensação entre as etapas da tributação, evitando que o mesmo rendimento seja alcançado duas vezes e resultando em uma carga total combinada próxima de 37%. O Brasil, por sua vez, pretende tributar em duplicidade, sem integração entre os níveis corporativo e pessoal. E o mais grave é que, mesmo antes dessa nova incidência, a carga já se aproxima da média total combinada da própria OCDE.
O argumento de que é preciso tributar o capital ignora a natureza integrada do sistema. O problema não está apenas na alíquota, mas na falta de coordenação entre as etapas. O modelo brasileiro já é oneroso, burocrático e complexo. A introdução de nova incidência, sem reestruturação da carga global, apenas redistribui o peso entre empresa e pessoa física, sem corrigir as distorções que comprometem a eficiência e a competitividade.
Além do impacto direto sobre o caixa das empresas, a mudança afeta a atratividade do ambiente econômico. A isenção dos dividendos, vigente desde 1996, funcionava como um estímulo à capitalização interna e à formalização. Ao alterar essa lógica, o país corre o risco de desestimular a reinversão de lucros e afastar investidores estrangeiros, que já enfrentam grande complexidade regulatória e tributária no Brasil.
A discussão sobre a tributação de dividendos, portanto, precisa ir além do discurso da justiça fiscal. O que se exige é uma reforma estrutural que harmonize as etapas de tributação e preserve a competitividade. O verdadeiro desafio está em tributar melhor, e não simplesmente em tributar mais.
Se o objetivo é aproximar o Brasil das práticas internacionais, é preciso também adotar a racionalidade que orienta esses modelos. Importar apenas as alíquotas, sem replicar os mecanismos de compensação e coordenação, é reproduzir os mesmos erros de sempre. O País precisa de um sistema que premie o investimento produtivo, incentive a formalidade e ofereça segurança a quem empreende e gera riqueza. Do contrário, o debate sobre dividendos se tornará apenas mais um exemplo de como o Brasil complica o que deveria simplificar.

Dênerson Rosa,
Advogado, fundador da Sociedade de Advogados Dênerson Rosa, mais de 20 anos de atuação em Direito Tributário e Empresarial.














