Por muito tempo, o mercado corporativo brasileiro foi seduzido por uma lógica quase automática: crescer sempre, crescer rápido, crescer a qualquer custo. Startups eram avaliadas pelo número de rodadas levantadas. Multinacionais, pela quantidade de lojas ou fábricas abertas. O crescimento era o único farol — e quem questionasse isso era visto como conservador.
Mas 2024 tivemos um “sacode” de cenários.
Com juros nas alturas, cenário fiscal incerto, dólar volátil e crédito mais seletivo, crescer deixou de ser um movimento expansivo e virou um exercício de inteligência. O novo mantra das empresas brasileiras é simples e exigente: crescer com pouco — e com muito mais critério. Em tempos crescentes de IA (Inteligência Artificial), devemos olhar para sua irmã mais velha no mundo corporativo a IF, Inteligência Financeira, pois com ela desmotivada tendemos a não precisar de algoritmos.
No ambiente atual, não basta crescer. É preciso sobreviver ao crescimento. Muitas empresas que escalaram rápido nos últimos anos estão agora pagando o preço: endividadas, ineficientes e com pouca margem de manobra.
É por isso que o planejamento financeiro passou a ser o centro da estratégia. Não mais um processo burocrático de fim de ano, mas um organismo vivo, revisto constantemente e orientado por dados, cenários e escolhas difíceis.
As empresas mais preparadas adotaram uma nova cartilha de sobrevivência e crescimento responsável, que inclui: 1) Investimentos com retorno rápido (payback curto) — Projetos que trazem ROI em menos de 12 meses ganham prioridade; 2) Orçamento base zero (OBZ) — Toda despesa precisa ser reavaliada do zero, sem continuar por inércia; 3) Revisão e otimização do capital de giro — Redução de estoques, negociação com fornecedores e melhorias no fluxo de caixa; 4) Foco na rentabilidade, não só em crescimento bruto — Produtos e áreas que não geram margem são descontinuados; 5) Revisão de contratos com cláusulas indexadas — Ajustes em contratos atrelados à inflação, CDI ou dólar; 6) Renegociação de dívidas e desalavancagem — Substituição de dívidas caras por estruturas mais sustentáveis; 7) Centralização tática de decisões financeiras — Alta liderança retorna e assume controle direto sobre grandes alocações de recursos.
Mais do que uma resposta ao momento, esse movimento representa uma análise profunda nessa cultura empresarial no Brasil. Uma cultura que entende que nem todo crescimento é saudável. Que reconhece o valor da liquidez, da previsibilidade, da disciplina.
E talvez, nesse cenário mais desafiador, estejamos finalmente aprendendo que o tamanho do negócio importa menos do que sua capacidade de resistir, adaptar e prosperar — mesmo em solo instável.
Crescer com pouco não é crescer menos. É crescer melhor, com estratégia, com bastante execução, margem e inteligência.
Rondinely Leal,
executivo com 20 anos de experiência em gestão, com atuação em grupos nacionais e multinacionais. Contador por formação com especialização em análise e auditoria, MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria. Professor e consultor.
