Por Rafael Vaz
“Alô? Quem fala?”
Você atende ao telefone e, antes que consiga pronunciar uma palavra, a chamada cai. Ou pior: alguém insiste em ligar dezenas de vezes ao dia oferecendo produtos que você nunca pediu, serviços que não precisa ou até tentando aplicar golpes. Esse é o cotidiano de milhões de brasileiros. Somente nos últimos dois anos, foram registradas mais de 1 bilhão de chamadas de telemarketing abusivo por mês – cerca de 743 ligações por habitante, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Muitas delas são feitas por robôs e duram menos de seis segundos.

“Pessoas afetadas pelas ligações indesejadas podem ter diversos prejuízos. É algo que desvia a rotina, fazendo com que as pessoas passem a não atender ligações de números desconhecidos e acabem perdendo consultas médicas ou compromissos de trabalho”, explica o coordenador da Escola Estadual de Defesa do Consumidor do Procon Goiás, Henrique Figueiredo Teixeira.
O problema não é apenas o incômodo. A Anatel bloqueou mais de 184 bilhões de chamadas desde junho de 2022, mas cerca de 15% ainda escapam das barreiras de proteção. “Não existe uma ‘bala de prata’, mas uma série de ações continuadas que se complementam e amadurecem para apresentar resultados palpáveis à sociedade”, afirma Cristiana Camarate, conselheira da Anatel.
Para tentar dar algum controle ao consumidor, a Anatel criou, em 2021, o prefixo 0303. Sempre que uma ligação de telemarketing fosse feita, o número começaria com esse código, permitindo que o cidadão identificasse rapidamente a origem da chamada e decidisse se queria atender ou não. Era uma ferramenta simples, mas útil, que dava ao consumidor o poder de escolha e evitava surpresas indesejadas.
Segundo ela, a natureza das chamadas mudou. “Em 2021, quando determinamos a criação do 0303, eram ligações para ofertar produtos e serviços. Hoje, as que mais incomodam são fraudulentas, que levam os consumidores a caírem em golpes.”
Além do incômodo, há prejuízos financeiros e emocionais. “O consumidor, especialmente idosos, pode acabar comprando produtos ou serviços que não precisa. É preciso cuidado ao ceder informações pessoais”, alerta Henrique Teixeira.
O fim do 0303 e a era da autenticação
Durante três anos, o prefixo 0303 funcionou como um sinal de alerta: indicava que a ligação era de telemarketing e dava ao consumidor a opção de atender ou não. Agora, com o fim da obrigatoriedade, advogada consumerista Julianna Augusta alerta: “O prefixo permitia identificar a ligação de telemarketing. Agora, as empresas vão ligar de qualquer número. Quem deseja tomar providências deve procurar o Procon ou o Ministério Público.”
Para tentar equilibrar a situação, a Anatel determinou que empresas que realizam mais de 500 mil chamadas por mês adotem a autenticação da chamada, verificando a origem do número. “Isso significa que o celular de cada brasileiro terá a comprovação de que a ligação é de uma empresa regularizada. Na prática, gera segurança ao consumidor”, explica Cristiana Camarate.

Quando o incômodo vira problema
Muitos consumidores acabam sendo impactados sem perceber. “Há também problemas com consumidores vulneráveis, principalmente os idosos, que podem acabar comprando produtos ou contratando serviços que não precisam. É preciso tomar cuidado ao ceder informações pessoais”, alerta o coordenador da Escola Estadual de Defesa do Consumidor do Procon Goiás.
Segundo Henrique Figueiredo Teixeira, as pessoas precisam ser criteriosas no que diz respeito ao compartilhamento de dados pessoais. “Não é só sobre não atender ligações; é sobre proteger seus dados. Bares e restaurantes, por exemplo, não podem obrigar clientes a fornecer contatos para abrir comandas”, explica.
O Procon Goiás mantém um sistema de cadastro de números para bloqueio e fiscaliza estabelecimentos que desrespeitam a lei. “Mas é fundamental que os consumidores denunciem pelo telefone 151 ou pelo site do Procon Web”, acrescenta Teixeira.
Avanços na legislação
A Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados aprovou, nesta semana, o Projeto de Lei 1003/2025, que altera o Código de Defesa do Consumidor para garantir aos usuários de telefonia o direito de não receber chamadas de telemarketing, salvo se solicitado.
O texto aprovado estabelece que os consumidores que optarem por não receber esse tipo de ligação deverão ter seu direito assegurado, sendo a responsabilidade de regulamentar e fiscalizar o cumprimento da norma atribuída à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Inicialmente, o projeto previa a limitação de até 1.000 chamadas por dia e no máximo 30% de chamadas curtas, além da suspensão de serviços por até 60 dias para empresas que descumprissem as regras. No entanto, o relator optou por retirar essa parte do texto, argumentando que tal restrição inviabilizaria a operação de serviços legítimos.
O deputado Murilo Galdino (Republicanos-PB), autor da proposta, ressalta que, considerando que a quantidade de linhas telefônicas é maior que a população brasileira, cada brasileiro recebeu ao menos cinco ligações abusivas por mês.
Proteção ao alcance do consumidor

Para se proteger, especialistas recomendam cautela e registro de provas. “É importante guardar prints, gravar ligações e reunir provas dos transtornos para demonstrar dano moral ou material”, lembra Julianna Augusta.
Henrique Teixeira complementa: “As pessoas devem ser criteriosas e aceitar contatos apenas de números confiáveis.”
Mesmo com regulamentação, fiscalização e mecanismos de autenticação, o inferno das ligações indesejadas continua. A proteção do consumidor exige atenção constante, denúncia e uso de ferramentas de bloqueio, lembrando que cada ligação interrompida indevidamente é também um lembrete de que, na era digital, o tempo e a segurança do cidadão ainda precisam ser defendidos.