Vinte anos separam duas fotografias da alma brasileira. Em 2002, quando Alberto Carlos Almeida realizou a primeira Pesquisa Social Brasileira, o País ainda acreditava no consenso político. Hoje, os dados de sua nova pesquisa revelam uma nação profundamente transformada, mais polarizada, pragmática e consciente de suas diversidades, mas também mais desconfiada.
A mudança mais dramática ocorreu na política. O centro, que representava 39% dos brasileiros em 2002, encolheu para apenas 28% em 2022. Os extremos cresceram: a esquerda saltou de 22% para 29%, e a direita de 39% para 43%. Esta polarização reflete uma sociedade que perdeu a capacidade de encontrar pontos comuns, onde o diálogo foi substituído pelo confronto ideológico amplificado pelas redes sociais.
Na economia, paradoxalmente, os brasileiros se tornaram mais liberais, mas de forma pragmática. O apoio à abertura de mercado explodiu: os “muito liberais” passaram de 16% para 33%. Contudo, essa mudança não é ideológica. Os brasileiros apoiam a iniciativa privada quando ela funciona – como na telefonia – mas recorrem ao Estado quando os serviços privados decepcionam. É um liberalismo condicional, baseado em resultados concretos.
A identidade racial também se transformou. O Brasil se tornou um País de maioria parda: saltamos de 46% para 57%. Mais interessante é que a associação entre raça e ancestralidade continental despencou de 20% para 10%. Os brasileiros construíram um sistema de classificação racial próprio, baseado mais na cor da pele do que na origem dos antepassados. Simultaneamente, cresceu o apoio às cotas raciais, indicando maior consciência sobre desigualdades.
O panorama religioso revela uma dupla tendência: cresce o número de pessoas “sem religião”, especialmente entre jovens, mas também aumenta o fundamentalismo religioso. Católicos, tentando conter a evasão de fiéis, adotaram interpretações mais literais da Bíblia. É uma polarização que espelha a política: secularização versus fundamentalismo.
Mas nem tudo são avanços. A pesquisa revela deterioração alarmante do tecido social brasileiro. A desconfiança entre pessoas cresceu de 78% para 87% – um dos piores índices mundiais. O patrimonialismo se intensificou: mais brasileiros aceitam que políticos usem cargos em benefício próprio, e a responsabilidade coletiva se enfraqueceu. A ideia de que um bolsista no exterior não precisa retornar ganhou 12 pontos percentuais, revelando individualismo crescente.
Alberto Carlos Almeida conclui que os “vencedores” foram negros, mulheres e defensores da diversidade cultural. De fato, a maior consciência racial e os avanços nas questões de gênero marcam uma sociedade mais inclusiva. Contudo, esses ganhos coexistem com uma crise profunda de confiança social.
O Brasil de 2023 é mais complexo que o de 2002. Somos mais diversos e conscientes de nossas diferenças, mas também mais fragmentados e desconfiados. Avançamos na inclusão de minorias, mas retrocedemos na capacidade de viver juntos. É um País que modernizou valores sem resolver problemas estruturais. A pergunta que fica é: conseguiremos construir pontes sobre essas divisões?

Marcos Freitas,
doutorando em Turismo, Mestre em Finanças, economista e sócio-fundador da AM Investimentos.