Por Rafael Mesquita
Sair de um negócio falido é fácil. O complicado é deixá-lo quando ele está dando certo e trocar por algo completamente novo, ainda pouco conhecido. Em 2019, Silvana de Oliveira, 53 anos, deixou uma bem-sucedida vida empresarial no segmento de academias para montar o primeiro espaço em Goiânia voltado a atender empresas que atuam com tecnologia e inovação: o Hub Cerrado. “Não tenho medo de errar. Nunca tive, desde jovem. Eu adoro testar o novo, sou competitiva. Nunca me acomodo”, afirma.
Mesmo com o sucesso financeiro das três academias que possuía na época, Silvana não estava tão satisfeita com o negócio. Um curso de MBA em Marketing e uma palestra sobre tendência de mercado a fizeram abrir a mente para algo pouco falado na época no Brasil: as startups (empresas que nascem em torno de uma ideia diferente, em condições de extrema incerteza e com capacidade de crescimento rápido). “Me apaixonei pelo assunto, viajei para muitos lugares e conheci hubs no País e nos Estados Unidos. Falei para o meu marido que iria montar um espaço semelhante para reunir essas empresas, e ele nem sabia o que era isso”, recorda.
A intenção era trazer para Goiânia algo inédito. Antes, o que existia na capital eram iniciativas pequenas e isoladas de startups. Segundo Silvana, o ecossistema de tecnologia e inovação na cidade era totalmente incipiente. A empresária decidiu, então, aproveitar um imóvel que possuía em frente ao Parque Cascavel e inaugurar, em julho de 2019, o Hub Cerrado. A novidade atraiu várias empresas goianas e, logo no início, já havia lista de espera.
Mas, meses depois, em março de 2020, veio a pandemia. Um baque que atrasou o crescimento do espaço. “Foi uma rasteira pra gente, as pessoas queriam rescindir contratos, mas eu sempre era otimista e achava que aquela fase ia passar logo. Não passou, mas sobrevivemos”, lembra.
A estabilidade do negócio só apareceu no final de 2021. A situação já estava mais normalizada, e o Hub Cerrado começou a atingir os objetivos esperados. “Não somos só coworking (modelo de trabalho com compartilhamento de espaço físico de escritório por diversas empresas e profissionais), mas sim um espaço de promoção de inovação e conexão de empresas”, define. O hub oferece atualmente 78 eventos, entre palestras, oficinas, capacitações, apresentações, reuniões e troca de experiências entre empresas, além de encontros para fortalecer a relação social entre a comunidade.
De acordo com Silvana, são várias as vantagens de uma startup se instalar no local. “A empresa fica atualizada sobre tudo o que acontece no mercado, e aquelas ligadas à área de tecnologia podem receber crédito de até dez mil dólares por meio de parcerias com grandes companhias. Além disso, há uma conexão direta com empresários de outros países, como Arábia Saudita, Canadá e Portugal, que procuram aqui ideias inovadoras para contratar”, explica.


Poder público e cultura de inovação
Ter criado o primeiro hub de Goiás e o único administrado pela iniciativa privada no Estado é motivo de satisfação. “Somos protagonistas para poder dar maturidade ao ecossistema de inovação e tecnologia dentro do Estado. Temos o reconhecimento até do Governo de Goiás quanto a isso”, orgulha-se.
Mas ainda há muito a evoluir. Mesmo com o cenário atual diferente daquele de 2019, quando o Hub Cerrado foi criado, Silvana entende que é preciso que o poder público tenha outro olhar sobre a inovação. “É necessário que se tenha mais informação sobre o assunto por meio de políticas públicas que apoiem e mudem a realidade em Goiás”, acredita.
De acordo com a empresária, há ainda muita carência de mão de obra nas áreas de tecnologia e inovação. Ela avalia que o Estado poderia capacitar melhor esse público para atender a um mercado que está “sedento” por esse tipo de trabalhador.
Outro problema apontado é que, com a falta de políticas públicas, a própria cultura de Goiás é de pouco incentivo à tecnologia e à inovação. “No Hub Cerrado não temos mantenedores, diferente de outros hubs como o Caldeira (no Rio Grande do Sul), em que há mais de cem apoiadores financeiros. A cultura sobre esse tema em outros locais é diferente. Há um incentivo maior”, avalia. Silvana ainda explica que há ótimas startups goianas, mas que muitas vezes se transferem para outros estados por falta de um ecossistema de apoio e investimentos no setor, como acontece nas regiões Sul e Sudeste.
Mesmo assim, existem iniciativas que mostram o potencial do Estado e podem criar condições para a transformação da realidade. Em Goiás, foi lançado o primeiro curso de Inteligência Artificial do Brasil, na Universidade Federal, e criada a primeira legislação estadual específica para regular o tema no País. “O diferencial de uma economia que investe em tecnologia e inovação é o aumento do produto interno bruto (PIB). Gera maior mão de obra, produtividade e receita. É uma cadeia que se retroalimenta em tudo”, avalia.

Início e família
Dona Almerinda de Oliveira, 86 anos, sempre foi a grande inspiração para a filha Silvana. A mãe era uma vendedora “nata” e incentivava os cinco filhos, ainda crianças, a conseguir um dinheiro extra para complementar o orçamento familiar.
Silvana saía de porta em porta em São Luís de Montes Belos (GO) vendendo os mais variados produtos, desde as revistas de cosméticos da Avon até laranjinha, manga e chocolate. “Meu pai saiu de casa muito cedo, então minha mãe criou os cinco filhos sozinha, por isso nos incentivava a trabalhar”, explica.
As lições de disciplina e empreendedorismo que aprendeu com a mãe, Silvana levou para a vida. Mudou-se para Goiânia com 17 anos para estudar e logo passou no curso de Administração de Empresas na então Universidade Católica de Goiás. Começou a trabalhar ainda na faculdade em uma empresa de seguro de vida e depois no departamento comercial da Organização Jaime Câmara.
Aos 22 anos, Silvana montou a primeira empresa. Em uma sala bem pequena na Avenida T-7, em Goiânia, iniciou as atividades da Scala Center, uma loja de equipamentos de ginástica. Tratava-se de um segmento que apresentava grande ascensão comercial na época. “Sempre quis ter o meu negócio, era um sonho. Até alienei o meu veículo para conseguir dinheiro”, recorda.
Inicialmente, realizou uma venda completa para três academias, criando uma base para que o negócio crescesse. A loja existe até os dias atuais com o nome de Movement (franquia da marca nacional de equipamentos de academia de mesmo nome) e é líder do mercado no Centro-Oeste. Posteriormente, Silvana ainda inaugurou duas fábricas de equipamentos de musculação, uma em Goiânia (Target) e outra no Rio Grande do Sul (Rotec). Ainda criou a startup TudoMed, que atua com serviços de saúde, como telemedicina e consultas, além de segurança do trabalho.
Alguns dos negócios são administrados pelo marido, Marcos Paulo Morais, com quem começou a namorar aos 16 anos de idade, ainda nos tempos de São Luís de Montes Belos, e com quem tem dois filhos. “A gente têm perfis muito diferentes. Ele é mais de bastidores e eu de conversa atendendo a clientes. Faria tudo de novo. Brinco dizendo que ele é meu sócio 24 horas por dia. A gente é parceiro em tudo”, conclui.
