Por Rafael Vaz
A evolução da economia para um modelo de emissão líquida zero de carbono representa uma das maiores oportunidades de investimentos no mundo e o Brasil tem um papel estratégico nesse processo. Segundo o Brazil Transition Factbook 2025, da BloombergNEF (ligada à agência de notícias Bloomberg), o País pode atrair cerca de US$ 6 trilhões em investimentos até 2050, com destaque para setores como energia renovável, agricultura sustentável e produção de biocombustíveis.
“Carbono zero significa que a emissão de gases de efeito estufa precisa ser neutralizada, ou seja, aquilo que é emitido precisa ser compensado ou reduzido a zero”, explica a professora do curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Goiás (UFG) Francine Calil. “É uma meta que envolve toda a cadeia produtiva, da produção ao consumo, e que deve ser pensada de forma integrada”, avalia.

Com a matriz elétrica mais limpa entre os países do G20, o Brasil tem protagonizado iniciativas em transição energética. Dados mais recentes da BloombergNEF mostram que, em 2023, o país atraiu US$ 37 bilhões em investimentos voltados à transição energética, acima dos US$ 35 bilhões registrados em 2022. Parte desse capital foi destinada à instalação de 19 gigawatts de energia solar, número recorde que evidencia o potencial do brasileiro.
Minérios estratégicos e aço verde
Apesar dos avanços, o estudo alerta que ainda há vasto potencial que ainda não foi explorado. O Brasil detém pelo menos 10% das reservas globais de cinco minerais estratégicos com alta demanda prevista, fundamentais para a produção de baterias, turbinas e painéis solares. Além disso, o País é uma das principais fontes de biomassa no mundo, insumo essencial para o desenvolvimento da indústria de aço verde, em um momento em que o hidrogênio limpo ainda enfrenta entraves como alto custo e demanda incipiente.
Dicionário da descarbonização
*Carbono zero: situação em que uma organização, setor ou país emite zero gases de efeito estufa em suas operações. Difere da neutralização, pois pressupõe não emitir.
*Carbono neutro: ocorre quando as emissões inevitáveis de gases de efeito estufa são compensadas por ações equivalentes de remoção de carbono da atmosfera, como o plantio de árvores ou compra de créditos de carbono.
*Biocombustíveis: combustíveis produzidos a partir de matéria orgânica renovável, como o etanol e o biogás.
*CBIOs: Créditos de Descarbonização emitidos por produtores de biocombustíveis com desempenho ambiental superior, no âmbito do RenovaBio.
*Agricultura regenerativa: práticas agrícolas que restauram e mantêm a saúde do solo, capturam carbono e aumentam a biodiversidade.
*Aço verde: aço produzido com uso de fontes de energia renovável e técnicas que reduzem significativamente a emissão de carbono.
*Sistema lavoura-pecuária-floresta: modelo produtivo que integra criação de animais com cultivo de árvores e pastagem, promovendo ganhos ambientais e econômicos.
Agricultura regenerativa e o campo como aliado
Outro destaque é a agricultura regenerativa, prática que ganha força diante dos desafios da crise climática. O Brasil já é o segundo maior mercado corporativo nesse setor, sendo reconhecido por iniciativas que aliam produtividade com recuperação de solo e menor emissão de gases.
A professora também ressalta que o conceito de carbono zero parte do princípio de que toda emissão precisa ser neutralizada. “Hoje, todas as nossas atividades impactam o meio ambiente”, destaca. Na agricultura, segundo ela, a necessidade de adaptação é particularmente clara. “Atividades agrícolas são grandes emissoras de gases de efeito estufa, e a pressão para reduzir esses impactos tem aumentado muito”, comenta.
Segundo Francine, é possível trabalhar com várias estratégias, como o uso reduzido de fertilizantes químicos. “Também podemos pensar na escolha criteriosa das áreas de plantio e técnicas que melhoram a eficiência do uso do solo”.
Ela cita os sistemas integrados de produção como exemplo. “O sistema lavoura-pecuária-floresta, que une árvores, pastagens e animais em uma mesma área, é extremamente eficiente. A pecuária tem grande peso nas emissões por conta do metano, gás de efeito estufa com elevado potencial de aquecimento”, explica.
Francine é categórica ao afirmar que as empresas e produtores que não priorizarem a redução de carbono estão ficando para trás. “Esse é um movimento global, e o Brasil não pode ficar de fora. A descarbonização é urgente e já está batendo à porta do setor produtivo”, alerta. Sobre a viabilidade do carbono zero, ela pondera que, embora difícil, não é impossível. “É importante ter uma visão realista: chegar a 2050 com emissão zero é uma meta ambiciosa e desafiadora, mas o fundamental é a mitigação contínua e o compromisso com a redução gradual dos impactos”, conclui.

Setor produtivo na linha de frente
Na iniciativa privada, empresas brasileiras já incorporam metas de descarbonização em seus modelos de negócio. A Jalles Machado é uma delas. Com matriz energética 93% renovável, a companhia tem avançado na produção de biogás, bioenergia e etanol.
De acordo com o diretor financeiro e de relações com investidores, Rodrigo Penna, iniciativas como o cultivo orgânico (que representa 40% da área da unidade Jalles), o reaproveitamento de resíduos e o uso de biocombustíveis reforçam o compromisso com uma economia de baixo carbono. “Temos um sistema de reaproveitamento de 99,98% dos resíduos da produção. Isso mostra como é possível ser eficiente e sustentável”, afirma.

Segundo ele, as políticas públicas têm papel decisivo nesse processo. “Programas como o RenovaBio e o Combustível do Futuro são fundamentais. Além disso, contamos com incentivos estaduais, como o Pró-Goiás e o Crédito Outorgado do Etanol Anidro, que tornam a produção renovável mais competitiva frente aos combustíveis fósseis”, pontua.
Marco legal e responsabilidades empresariais
A legislação brasileira já prevê diretrizes para a descarbonização, mas enfrenta desafios em comparação com países mais avançados na temática. A advogada Danielle Fernandes Limiro Hanum destaca que empresas que não se adaptarem à nova realidade ambiental podem enfrentar riscos jurídicos, como sanções, perda de competitividade e processos por danos ambientais.

Ela aponta que a transição para uma economia de baixo carbono exige ajustes regulatórios e contratuais. “São comuns as revisões de cláusulas contratuais que tratam de compromissos socioambientais, responsabilidade por emissões e adequação a normas ambientais em vigor”, resume.