O Brasil aprendeu a crescer sem se desenvolver. Essa é a contradição que insiste em nos assombrar: comemoramos indicadores econômicos positivos enquanto a base produtiva do País se esvazia lentamente. O que avança, de fato, não é a indústria, nem a inovação, nem a ciência. Cresce, sim, o rentismo — esse modelo que premia juros, tarifas e ganhos financeiros, mas engessa a economia real. A engrenagem produtiva anda a passos lentos, atolada pelo crédito caro, pela ausência de uma política industrial sólida e por uma visão estratégica míope.
Somos um País com abundância natural e carência de propósito. Exportamos riquezas básicas e importamos valor agregado. Cada navio que parte de nossos portos carrega não só commodities, mas oportunidades desperdiçadas. O que outros países transformam, compramos de volta com a marca do progresso, que poderíamos ter feito aqui. O problema não é o agro, mas a falta de um projeto nacional que una campo, ciência e indústria numa mesma direção. Perdemos valor ao não transformar o que temos em poder tecnológico e geopolítico.
Enquanto o mundo avança em biotecnologia, energia limpa e manufatura avançada, o Brasil segue ancorado no modelo primário-exportador. Há um novo paradigma de soberania em curso: quem domina alimentos, energia e conhecimento determinará o rumo do século XXI. O Brasil, com sua biodiversidade e capacidade produtiva, poderia ser líder nesse cenário. Mas falta coordenação, investimento estratégico e vontade política para transformar potencial em protagonismo.
A China e a Índia compreenderam esse novo jogo. A primeira arrenda terras agrícolas em outros continentes para garantir seu abastecimento futuro. A segunda, impulsiona sua agroindústria com biotecnologia, logística agressiva e políticas públicas focadas. Ambos caminham para dominar cadeias globais de valor em alimentos e bioenergia. A Ucrânia, mesmo devastada por uma guerra, é alvo de fundos internacionais que apostam em seu solo fértil e localização estratégica como trunfos para o pós-guerra. Cada hectare de terra transformado lá representa uma ameaça competitiva direta para o Brasil, a Argentina e os Estados Unidos.
Nosso País assiste a tudo com passividade. Já fomos líderes mundiais em ciclos de riqueza, como o da borracha. Manaus foi símbolo de prosperidade tropical, financiada pelo látex extraído da Amazônia. Mas bastou a falta de estratégia para perdermos a liderança para a Malásia, que aliou eficiência técnica e planejamento. O que restou foi uma memória decadente de uma glória que não se sustentou. Esse alerta histórico deveria ecoar no presente: sem visão, o agronegócio brasileiro corre o risco de virar um novo ciclo da borracha — pujante no passado, irrelevante no futuro.
A soberania produtiva não se constrói apenas com produção agrícola. Ela exige ciência, tecnologia, industrialização e acordos internacionais que priorizem o desenvolvimento autônomo. O campo precisa estar conectado aos laboratórios, às fábricas e às redes logísticas. O Brasil precisa transformar sua produção em inovação e sua inovação em liderança.
O futuro não espera. E ele será comandado por quem dominar a biotecnologia, a energia limpa e os novos materiais. O Brasil pode ocupar esse lugar, se entender que a sua força está no campo, mas a sua soberania depende da ciência. O caminho começa na semente, passa pelo chip e termina na indústria. O tempo de agir é agora — antes que mais uma janela da história se feche sem que tenhamos sequer tentado atravessá-la.

Chang Yung Kong,
Especialista em diplomacia econômica, desenvolvimento de negócios globais e articulação entre setores público e privado. Presidente da Corporação Chang.














