Por Rafael Mesquita
Confundir receita com lucro, não ter controle detalhado de custos e despesas, misturar finanças pessoais com as do negócio, deixar de realizar projeções financeiras e planejamento orçamentário, e faltar transparência entre sócios em relação aos números. Profissionais liberais podem cometer vários erros ao abrir o próprio escritório. O maior problema é que eles podem ser fatais para a continuidade do negócio. “Normalmente, leva à instabilidade, provocando desde dificuldades de crescimento até o risco de falência”, avalia o consultor em controladoria financeira Newton Júnior.
Ele explica que a falta de planejamento pode deixar a empresa em sérios apuros quando tiver que enfrentar uma crise. “O escritório até fatura, mas vive apagando incêndio. Quando tem entrada de dinheiro, tudo fica bem, mas basta um atraso de cliente ou uma queda na demanda para que vire um desespero. Isso cansa os sócios, cria conflitos internos e muitas vezes leva ao fechamento”, detalha o consultor.
Os erros se repetem entre os mais diversos setores profissionais: advocacia, contabilidade, engenharia e comunicação. Os números mostram essa realidade. Uma em cada quatro empresas brasileiras não consegue ultrapassar o primeiro ano de funcionamento, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O cenário se agrava quando o prazo se estende: os mesmos dados revelam que 60% dos negócios encerram as atividades antes de completarem cinco anos de existência.

A principal causa está relacionada à deficiência no controle financeiro. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), 48% das micro e pequenas empresas no país fecham as portas por problemas vinculados à falta de planejamento financeiro e descontrole de caixa. “Normalmente, atinge mais os pequenos e médios, porque eles crescem rápido e sem estrutura”, afirma Newton. Mesmo assim, ele ressalta: “Mas já vi empresas grandes, com nome consolidado, que sofrem do mesmo mal, justamente por crescerem sem a devida organização financeira.”
A questão se torna ainda mais crítica nos primeiros meses de operação, quando muitos empreendedores subestimam a importância de estruturar adequadamente o setor financeiro. Segundo especialistas, a conta PJ (pessoa jurídica) com cartão deve ser monitorada de perto para não haver tomada de crédito que possa comprometer as finanças a médio prazo.
Muitos escritórios têm excelente capacidade técnica, mas deixam a desejar na área de gestão. Ter profissionais reconhecidos no mercado na atividade-fim não é sinônimo de sucesso do negócio. “A capacidade técnica é fundamental, mas não basta. Muitos profissionais renomados subestimam a importância da gestão financeira e acreditam que o prestígio garante sustentabilidade. Gestão é o que transforma técnica em resultado duradouro”, acredita o consultor.
Newton Júnior explica que a falta de uma estrutura financeira clara, de controles, projeções e previsibilidade compromete os resultados no médio e longo prazo. “Sem esse alicerce, mesmo bons serviços podem não gerar lucro”, avalia.
Mudança de realidade
A primeira medida é encarar os números de frente. Não dá para deixar a parte financeira em segundo plano. É fundamental a criação de relatórios simples e, principalmente, acompanhar a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE), que é o demonstrativo mais importante e mostra se a empresa ganhou ou perdeu dinheiro, pois compara todas as receitas com os custos e despesas. “O segredo não é complicar, é começar com disciplina e ir evoluindo. E, claro, envolver os sócios: todo mundo precisa saber o que está acontecendo”, orienta o consultor em controladoria financeira.
Além de implementar relatórios gerenciais claros, como a DRE vertical (avalia o peso de cada item em relação à receita líquida dentro de um único período) e horizontal (compara a evolução de cada conta da DRE ao longo do tempo, em vários períodos), ele cita a necessidade de definir um orçamento anual — que deve ser revisado periodicamente —, além de padronizar processos societários e financeiros (identificar as tarefas, os responsáveis e a sequência de atividades, para então documentá-las formalmente com a melhor prática, seguido de treinamento da equipe) e criar a cultura de análise estratégica baseada em dados (prática de integrar a análise e o uso de dados na tomada de decisões e na definição de estratégias em todos os níveis da organização).
Estabelecer práticas sólidas de gestão desde o início da empresa pode representar a diferença entre a sobrevivência e o fracasso empresarial. Mas é possível corrigir os rumos do negócio. “O ideal é haver planejamento desde o início, mas sei que, na prática, poucos fazem isso no começo. Só que nunca é tarde. Já peguei escritório com 15 anos rodando no piloto automático e, quando estruturamos os controles, eles perceberam quanto dinheiro estavam perdendo. Então, quanto mais no início melhor, mas, se não começou, dá para ajustar no meio do caminho”, acredita Newton.
A ideia é que, quanto antes a gestão for organizada, maior será a sua previsibilidade e menor o risco de prejuízos futuros. Mas o consultor avalia que nunca é tarde até para quem já é reconhecido no mercado. “Mesmo empresas já consolidadas podem se reorganizar e ganhar competitividade”, conclui.