A Reforma Tributária brasileira, aprovada pela Lei Complementar nº 214/2025, foi vendida como um passo histórico rumo à simplificação e modernização do sistema de impostos. No discurso, seria o marco de uma nova era fiscal. Na prática, o que se vê é um País tateando no escuro — especialmente entre os pequenos e médios empresários, que seguem sem bússola nem previsibilidade. Tem muita opinião e previsão, mas tudo ainda é teoria. O novo sistema nasce com muitas promessas e poucas certezas, e o Simples Nacional como conhecemos hoje, embora mantido, pode gradativamente desaparecer no futuro.
O problema não está apenas nas dúvidas técnicas, mas no espírito que guiou a reforma: eliminar incentivos, elevar arrecadação e deixar o resto para depois. Um impulso fiscalista, sem vocação desenvolvimentista, que trata o contribuinte como alvo, não como parceiro. O Estado, em vez de se reformar, reformou apenas a forma de arrecadar. Afiou a faca.
O Simples, regime que oferece fôlego às pequenas empresas, sobreviveu, mas não sem arranhões. A LC 214 ampliou o conceito de receita bruta — agora incluindo receitas financeiras ligadas à atividade principal — e impôs novas formas de repasse do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), os tributos que substituem o ICMS, ISS, PIS e Cofins. Na prática, o recolhimento pelo DAS continua, mas com repasse direto aos entes federativos. Ou seja, a promessa de simplificação veio acompanhada de mais obrigações e menos previsibilidade.
Há perdas concretas. As empresas do Simples não poderão se creditar de IBS e CBS, diferentemente das que estão no regime regular. Ou seja, nasce uma anomalia – um Frankenstein. Essa diferença de tratamento tende a reduzir a competitividade de quem mais gera emprego no País. Para tentar equilibrar, a lei permite que o empresário opte, semestralmente, por recolher esses tributos fora do Simples — o que pode ser vantajoso em alguns casos, mas exigirá cálculos refinados e acompanhamento técnico permanente. O risco de erro será alto, e a margem de benefício, estreita.
O split payment — sistema em que o imposto é recolhido no momento da transação — é outro desafio. Ele exigirá ajustes de sistemas, de notas fiscais e de controles internos, elevando o custo de conformidade de quem deveria ter menos burocracia, não mais. Na prática, o Simples se torna cada vez menos simples e mais caro. A Prefeitura de Goiânia vai exigir, já opera em teste desde o dia 1°, o uso de um sistema de emissão de nota fiscal que é pago a empresas de tecnologia para se ajustar ao sistema reformado. Antes, emitir notas era gratuito. Dá-lhe custo extra e mensal.
O discurso oficial tenta tranquilizar, afirmando que as micro e pequenas empresas não serão afetadas. Mas a história recente da Receita Federal mostra o contrário: o Simples vem sendo apertado e revisto, centímetro por centímetro, num movimento claro de compensação fiscal. Como o Estado não reduz gastos e a sua situação fiscal piora a cada ano, o próximo passo será inevitável — ‘garfar’ cada vez mais o Simples. Depois dos incentivos, hoje em velório e enterro, será a vez das MPEs entrarem na roda.
O País precisava de uma Reforma Tributária que criasse previsibilidade e menor custo tributário. O que recebeu foi um arranjo técnico que, embora sofisticado, reforça o vício arrecadatório e perpetua o medo de investir. A LC 214/2025 é o ‘pulo do gato’ do Fisco: promete simplificação, mas entrega insegurança.
Anote e me cobre no futuro, quando o Estado, faminto por receita, descobrir que a última fronteira de arrecadação é justamente o pequeno e médio empresário. Esse capítulo não vai demorar.

Luiz Antônio de Siqueira,
advogado e contador, fundador da LAS Advogados e LAS Contabilidade